sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Um professor Waldorf judeu na Alemanha
Este texto foi publicado em uma revista voltada para Escolas Waldorf. Se interesse para mim está na postura franca do professor Samuel Ichmann, judeu alemão e professor Waldorf há mais de 30 anos, diante das acusações de antissemitismo nos meios antroposóficos e na própria educação Waldorf. Se, como visto anteriormente, em Israel a educação judaica me parece garantida em uma escola Waldorf, pelo meio judaico no qual está inserida, fora de Israel - em particular na Alemanha - as fronteiras entre as visões religiosas ficam muito porosas e, junto com elas, visões antissemitas clássicas vêm à tona. Este foi um texto que me deixou bastante incomodado.
Aqui a situação é outra: não se trata de uma escola Waldorf judaica, mas de um escola comum,  permeada por um ambiente cristão, onde leciona um professor judeu que tenta, de algum modo, transmitir algum valor judaico  - seus valores universais - a seus alunos; mas se depara com um antissemitismo clássico, para mim claro.
Não vejo o antissemitismo aqui como algo inerente à antroposofia nem à pedagogia Waldorf, mas ao ambiente que a permeia, como permeia provavelmente outros ambientes por lá.
Tampouco entendo que se deva generalizar este antissemitismo em toda a Alemanha dos dias atuais, um dos maiores defensores e parceiros de Israel, depois da barbárie nazista, onde a comunidade judaica cresce e se desenvolve a olhos vistos. Mas em oba parte este artigo me assusta, por expor claramente que as bases para o antissemitismo estão vivas, e muito vivas.
Uri Lam. 

O Que Deus É – ou o que também não  - 1a Parte 
A visão de um professor Waldorf judeu
Samuel Ichmann
Educação Viva – Revista para Escolas Steiner Waldorf
N.2 Primavera de 2007
Tradução: Uri Lam, fev. 2011
Samuel Ichmann reflete sobre a vida como um professor judeu que trabalha em uma escola Waldorf alemão, e sugere alguns pontos onde os caminhos do Judaísmo e da Antroposofia podem se cruzar

Costumamos escutar a acusação de “antissemitismo nas escolas Waldorf”, mas como é a experiência de um professor Waldorf com raízes judaicas? Depois de décadas de experiência, ele conclui que apenas citar princípios antroposóficos está longe de ser suficiente, se quisermos evitar as armadilhas da discriminação. Embora não haja tais atitudes antissemitas, os clichês sobre o Judaísmo - seja como produto do cristianismo tradicional, seja a partir de uma interpretação dogmática de Steiner - também aparecem nas escolas Waldorf.
Falar sobre ser judeu na Alemanha abre um campo minado! Estabelecem-se imediatamente desvios e armadilhas: de sentimentalismo nostálgico, do diálogo suprimido, do buraco negro da nossa resposta à crueldade praticada contra os judeus alemães, da resignação sentida em relação à destruição que a Shoá causou às esperanças de que a cultura alemã e judaica poderiam se unir novamente. Acima de tudo, há o constrangimento enorme que este tema desperta.
Mas além de todas as armadilhas e dificuldades, este ainda é um assunto à espera de uma resposta, com tudo o que ainda há para se apresentar.
Como um judeu que vive na Alemanha, na verdade, eu também percebo que aqui - e talvez só aqui - chegamos a esse ponto zero, como uma tabula rasa, de que um novo começo pode ser realmente possível. O choque do inimaginável, talvez, tenha criado um espaço onde podemos, e de fato devemos, abordar esse assunto de uma maneira completamente nova e diferente. Os estigmas de um desastre no corpo da história da Alemanha significa que cada desvio desse caminho leva diretamente ao escândalo. Seria possível o que foi relatado a partir de Hungria contemporânea acontecer aqui e agora, onde, em uma partida de futebol no estádio de Budapeste envolvendo um clube que os judeus sempre apoiaram, desde que se possa lembrar, que hooligans do outro lado começaram a gritar: “Morra, escória judaica”? Ou será que algo assim só não acontece na Alemanha porque de fato não há um time de futebol apoiado pelos judeus, e porque a maioria dos alemães nunca viu um “judeu vivo de fato”?
O Que Deus É – ou o que também não é - 2a Parte 
A visão de um professor Waldorf judeu
Samuel Ichmann
Um judeu na Escola Waldorf
E o que dizer sobre este tema: um professor judeu em uma escola Waldorf alemã! Alguém está interessado? O que interessam as raízes de alguém que trabalha na área da educação? Quais os tipos de crença e de mentalidade que ele tem desenvolvido como resultado de sua própria formação e educação? Não é a Pedagogia Waldorf, pelo menos, algo que realça a humanidade dos seres humanos? Não é uma pedagogia que vivencia a percepção de um núcleo espiritual dinâmico em todas as crianças? E mesmo assim, seus impulsos não se fundem com a verdade central das tradições religiosas de toda a humanidade? Não é a escola Waldorf, como um lugar onde as pessoas esforçadas podem se encontrar - independente de raça, nação e persuasão religiosa e científica – análoga ao princípio básico que Steiner desejava para os membros da
Sociedade Antroposófica? Não é isso o que vale para os professores, alunos e pais? Não há dúvida. Só que nós não vivemos em um vácuo não histórico dos princípios gerais, mas sim na realidade concreta de situações reais e acumuladas, muitas vezes mentalidades imponderadas. Nossos ideais podem ser coerentes e unidos, mas a vida nem sempre se parece com isso. Isso é bom, porque se este tipo de educação fosse um artigo pronto e embalado, esta não poderia ser que é: uma tarefa contínua e um desenvolvimento de vida.
O que me levou a escrever este artigo?
Este artigo tem um impulso específico, qual seja, a onda continuada de denúncias sobre racismo nas obras de Steiner e na educação Waldorf. Recentemente, surgiram rumores de discriminação antissemita que teria ocorrido nas escolas Waldorf. É um tema explosivo, pelo menos nos países de língua alemã. Esses rumores parecem não ter qualquer base na realidade, mas mesmo que algum professor tenha saído dos trilhos nesse sentido, não se pode necessariamente tirar conclusões sobre as visões gerais de todo um movimento pedagógico. É claro que o racismo e o antissemitismo estão completamente em desacordo com os fundamentos éticos sobre os quais repousa a pedagogia antroposófica. A Antroposofia é quase que inevitavelmente exposta à calúnia, como resultado da nebulosa percepção das pessoas acerca de sua natureza diferente e suas demandas. Ele tenta despertar a responsabilidade espiritual, que, por vezes, desencadeia reações subconscientes.
Naturalmente, a melhor maneira de testar a sua funcionalidade e validade seria através da investigação controlada e consciente, mas esse caminho raramente é seguido pelos adversários. Assim, alguém pode estimular o ódio irracional, o que, naturalmente, coloca-a em pé de igualdade com o judaísmo.
Devemos rejeitar representações insustentáveis e distorcidas. Eu apoio totalmente aqueles que, a partir de insinuações recentemente transmitidas pela televisão alemã, reagiram de modo rápido, enérgico e inteligente. No entanto, há também perspectivas internas que pode facilmente ser negligenciadas; pode haver algum interesse em escutar o que um judeu tem a dizer, que tem sido professor Waldorf na Alemanha por muitos anos. Essa pessoa pode contribuir de duas maneiras paralelas para este debate.
Primeiro, ele poderia mostrar como o judaísmo é por vezes percebido, e poderia apontar diversos sintomas alemães, assim como algumas opiniões que parecem ter suas origens em um determinado posicionamento antroposófico. A propósito, enfatizo que esta não tem nada a ver nem com a natureza dos alemães nem com a da Antroposofia como tal, mas no final das contas com o fato de que pessoas são pessoas, e que este é um tema muito difícil.
Em segundo lugar, ele poderia tentar mostrar como os valores espirituais do judaísmo e da Antroposofia se encontram em um professor Waldorf - de fala alemã, judeu da Europa Central - de um modo que se tornou importante para ele em seu caminho pedagógico. Para mim, este é de fato o ponto deste artigo.
As circunstâncias que descrevi foram o estímulo imediato para que eu me aprofundasse em minha compreensão espiritual, e tive a necessidade de compartilhar algo disso, não para acusar ou polemizar.
Tornar-se consciente das áreas com falta de clareza em nossa relação com a Antroposofia, no entanto, também deve ser uma tarefa útil. Os aforismos e anedotas contidas aqui são certamente subjetivos. Estes de forma alguma representam tudo o que eu poderia dizer sobre o tema da educação Waldorf, da Antroposofia e do judaísmo, nem são, de forma alguma, conclusivas ou definitivas. Eles representam apenas um aspecto das minhas experiências biográficas, que certamente não deixam de ser importantes. 
O Que Deus É – ou o que também não é - 3a Parte 
A visão de um professor Waldorf judeu
Samuel Ichmann 

Mas você não vai forçar isso garganta abaixo de todos, vai?
Sento-me em um restaurante não muito longe de uma capital da Europa Oriental, diante de um colega alemão muito conhecido por quem tenho em alta conta. Um projeto de formação para a educação Waldorf que está sendo executado aqui, no qual ambos somos professores, nos reuniu. A comida é excelente e aproveitamos a oportunidade para nos conhecermos melhor. A conversa é aberta e amigável. Contamos um ao outro sobre nossas vidas e experiências, e trocamos histórias pessoais. Em algum momento eu me “revelo” como judeu. Meu colega me olha um pouco hesitante e diz: “Mas você não vai forçar isso garganta abaixo de todos, vai?” Eu não sei o que responder. Será que ele quer dizer algo como “insistir em dizer para todos”? É isso o que eu acabei de fazer - descuidadamente, ou mesmo com a chutzpe (arrogância) judaica? Examino a mim mesmo. Não, eu não tenho a tendência de “constranger” as pessoas ao fazer com que me classifiquem imediatamente como judeu. Por outro lado, eu não tenho a menor inclinação de manter isso em segredo. Por que deveria? Judeus que mantêm silêncio sobre o seu judaísmo podem ter suas próprias razões pessoais (ou complexos), mas isso nunca foi algo que eu quis fazer. Eu sempre tive a oportunidade de informar aos meus colegas sobre esse aspecto das minhas origens, sempre me pareceu natural e sensato fazê-lo, como fiz nesta longa conversa naquela noite de um suave verão, longe da Alemanha.
Fico sem palavras, e meu colega à minha frente também não diz nada por um minuto, para então adicionar a seguinte pergunta: “Mas você é cristão, não é?” Isto é um tanto inesperado. O que ele quer dizer com isso? Ele sabe que, afinal de contas, sou um professor Waldorf dedicado, bem familiarizado há anos com as bases da Antroposofia. Estas são o meu pão de todo dia, se eu levo a sério a minha profissão. Como eu poderia levar uma cotovelada acerca dos motivos importantes da Cristologia? Eu havia terminado de contar para ele sobre o meu envolvimento no ensino de religião. Ou ele não me ouviu direito? Que resposta ele espera de mim? Devo lhe contar sobre as experiências íntimas que cada aluno no caminho espiritual deve cuidar para manter consigo mesmo? Eu hesitei por um momento bastante longo. Se eu não gosto de ficar quieto sobre o meu judaísmo, isso se aplica ainda mais sobre a minha convicção a respeito de Jesus de Nazaré como o Messias. Será que ele se refere a isso ao usar o termo “cristão”? Eu não sou um cristão no sentido tradicional: nunca deixei a comunidade judaica, na qual cresci, nem jamais me associei a uma igreja cristã. Mas ele, como professor Waldorf antropósofo certamente não se preocupa com isso, ou nem esperaria o contrário!
Eu respondo à sua pergunta com um pensativo “Sim”. Eu não preciso desestabilizá-lo, preciso? Mais tarde, no caminho para o meu alojamento, penso em tudo de novo e tenho sentimentos mistos. Talvez eu tivesse que tê-lo desestabilizado! Será que eu não teria demonstrado mais presença de espírito se respondesse com grande frase de Kierkegaard: “Não se pode ser um cristão, somente tornar-se um”?
Eu conto esta historia porque ela realça um profundo problema. Além de todos os rótulos preconceituosos, identificações, "ismos" e ideologias, o que as pessoas realmente sabem sobre a forma como os judeus veem o mundo? O que elas sabem do sentimento de oposição – que muitas vezes ressoa nos reinos subconscientes, sem palavras - a ter qualquer tipo de idolatria forçada em algo? Dos 150 anos de reserva sobre um cristianismo que, através de muitos dos seus representantes, bem como muitas das formas de culto e de doutrinas, assumiu não podia, e não pôde responder às necessidades dos judeus? Da força interior e do calor que obtém da espiritualidade de suas tradições? Da impossibilidade de se considerar como obsoletas, desnecessárias e redundantes as questões com o sentido mais íntimo, pessoal e profundo que foram bebidas, por assim dizer, no seio da própria mãe? Ah, porque uma vez que “Cristo apareceu” tudo isto aparentemente perdeu validade!
Eu realmente não quero mergulhar no debate teológico neste ponto, mas uma coisa é certa: os cristãos que ponderam sobre suas perspectivas e raízes são muito conscientes atualmente de que o judaísmo é minar suas próprias origens. Mas é essa mesma tradição equivocada de negação que remonta aos primeiros séculos da era pós-era cristã e se estende até o nosso próprio passado recente, que por vezes tem levado às concepções (equivocadas) das pessoas acerca da Antroposofia e da Pedagogia Waldorf. Porém isto repousa sobre a projeção do que eu acredito serem interpretações totalmente falsas sobre a  cristologia de Steiner, sobre a circulação contínua de preconceitos teológicos que foram pelo menos parcialmente superadas após a Segunda Guerra Mundial, embora não necessariamente em nossos círculos.
O Que Deus É – ou o que também não é - 4a Parte 
A visão de um professor Waldorf judeu
Samuel Ichmann 

Não leia “gravado na pedra”, leia “liberdade”
Eu olho para mim mesmo nos meus primeiros anos como professor Waldorf - há quase 30 anos - sentado na reunião de uma escola Waldorf  no sul da Alemanha, onde completei minha formação. Eu olho para trás com muita gratidão, também para o meu caro colega que estou prestes a citar. Eu o encontrei novamente alguns anos atrás e o agradeci pelas muitas conversas pessoais e úteis que tivemos. Uma pessoa muito modesta, que nunca disse nada sem refletir sobre si mesmo em primeiro lugar, nem nunca adotou uma atitude do tipo “santo dos santos”. As palavras que ele dizia eram, portanto, as de uma genuína convicção que ele, um cientista, obteve de um estado de espírito geral que então ainda predominava na educação Waldorf como uma relíquia dos anos pré-guerra: “O judaísmo”, disse ele, “é meramente uma religião de leis. Ainda hoje um médico judeu estritamente ortodoxo ainda está proibido de curar no sábado alguém prestes a morrer”.
Nós conversávamos sobre as curas de Jesus no sábado tal como descrito nos Evangelhos. Devo salientar que não houve a menor nuance de desdém nem mesmo antissemitismo em suas palavras e na sua atitude. Ele simplesmente o expôs como um fato da história cultural. E não foi desmentido. Nem mesmo por mim.
Em minha defesa, posso dizer que eu, muito jovem, sentado ali, entre autoridades experientes e testadas de longa data, fiquei antes de tudo angustiado. Eu nunca tinha escutado algo assim antes e me pareceu ser diametralmente oposto à ética judaica: “Quem salva uma única pessoa, salva o mundo inteiro”. Em segundo lugar, eu tinha crescido em um contexto religioso, porém não ortodoxo, e não tinha muito conhecimento sobre questões de halachá ou da interpretação das leis rituais. Em terceiro lugar, a discussão se voltara para outro ponto antes que eu voltasse a me concentrar novamente. No entanto, esta e outras situações semelhantes foram um estímulo para mim, para que eu ampliasse e aprofundasse meus conhecimentos sobre o judaísmo.
Em suma, a afirmação acima sobre não salvar alguém no Shabat é falsa. Um médico na verdade está obrigado pelas leis religiosas a tentar ajudar uma pessoa doente prestes a morrer, seja ou não no Shabat. Mas mesmo a afirmação da mais geral, de que a religião judaica está baseada somente nas leis, se observada de mais perto se mostra bastante equivocada. Eu não discuto que há formas fossilizadas de observância religiosa, mas o sentido real da mitsvot - uma palavra intraduzível, geralmente traduzida como “deveres” - está relacionado com uma das atitudes espirituais mais profundas em favor do mundo que conhecemos em toda a história religiosa: a consagração de cada ação, mesmo a mais leve e a menor delas. Em outras palavras, mitsvá é um ato como oração. No Chassidismo essa tendência floresceu em estilo largamente não dogmático. A essência das mitsvot entra todos os dias na atitude de um professor em sala de aula se ele ensinar com intuição moral e imaginação.
Há também uma maravilhosa frase talmúdica que cabe aqui, que explode desde dentro com os limites da compreensão puramente legalista que as pessoas gostam de impor ao judaísmo. Ela surge por uma espécie de jogo de palavras, que tem um papel bastante importante na interpretação bíblica tradicional. Como o alfabeto hebraico tem somente consoantes, uma palavra na Torá pode receber vários significados diferentes de acordo com as vogais que se aplicar. A passagem do Êxodo a que me refiro se relaciona com as Tábuas da Lei, em que os chamados Dez Mandamentos (na verdade, “Dez Palavras”) foram gravados. A frase diz: “Al ticrá charut ela cherut”, que se traduz como “Não leia gravado em pedra, mas liberdade”. Eu recomendo isto como meditação para aqueles que desejam refletir o espírito da Torá, e talvez para outros também. Pode se mostrar uma abordagem útil, por exemplo, interpretar o currículo Waldorf, ou para “ler” outro ser humano, para pensar profundamente sobre a natureza de uma criança e tentar colocar o seu desenvolvimento passado e futuro diante de nossos olhos interiores.
O Que Deus É – ou o que também não é - 5a Parte 
A visão de um professor Waldorf judeu
Samuel Ichmann
O que Deus é – ou o que também não é
Eu gostaria de relatar um conto mais sintomático. Estamos agora não mais no sul da Alemanha, mas no norte. Aqui sopra um vento fresco, as pessoas são mais tolerantes, mais abertas e mais distantes das coisas do que no sul. Voltei para a Alemanha depois de um longo período de trabalho em outro país europeu - no ano 'Hoyerswerda’, na verdade, quando neonazistas adquiriam casas, as pessoas estavam inflamadas e meu regresso para casa não era de todo animador. Com um pouco mais de cabelos grisalhos, um pouco menos de ilusões, mas de forma alguma queimado. Nós, professores de aulas de religião não denominacionais, estamos sentados na biblioteca da escola juntamente com um pastor da Comunidade de Cristãos. Estamos estudando um tema de cristologia. O pastor toma parte da discussão, contribuindo com formulações muito claras.
Na medida em que as coisas se desenrolam, o pastor do norte da Alemanha - uma figura culta, bem-educada e sem dúvida, profundamente conhecedor de temas esotéricos - diz com forte convicção e em um contundente tom de pronunciamento: “Javé (um modo cristão de se referir ao Deus dos judeus – mas não usado por judeus de forma alguma – N. do T.) não é o Deus Pai!” Diga-se de passagem, ele desconhece a minha ascendência judaica. Esta reunião contemplativa não é o lugar certo para um argumento, e não estou muito interessado, de qualquer maneira, em martelar questões de dogma religioso. Conheço os grandes ensinamentos de Steiner sobre a cosmologia e a hierarquia divina, e das perspectivas específicas derivadas da investigação oculta, e os considero como tendo um papel importante na integração desses com o meu próprio conhecimento e compreensão. Vários estudos pessoais também me trouxeram certa familiaridade com os campos patriarcais e escolásticos, bem como sobre alguns aspectos básicos do conselho da Igreja e da história da heresia, com suas disputas sobre dogmas. A questão da trindade me ocupou por um longo tempo - não só como uma questão acadêmica histórica, mas também como uma questão viva e, naturalmente, também em relação à antropologia pedagógica de Steiner que se refere à trindade no homem e no mundo. Tento manter contato com experiências e percepções, como as evocadas pela Meditação sobre a Pedra Fundamental de 1923/24, procurando evitar especulações nas quais o intelecto assume que “sabe o que é o quê” no que diz respeito à divindade.
“Javé não é o Deus Pai”! Eu vou para casa, e este “não é” se recusa a sair de mim. Não é o conteúdo, mas a forma como foi colocado; não a causa, mas a apodíctica “assim é” que me incomoda de alguma forma. Eu, naturalmente, respeito o fato de que um pastor prega – é o trabalho dele, afinal de contas. Talvez ele não tenha que fazê-lo em todos os lugares, o tempo todo, mas todos nós temos nossas falhas humanas. Mas o que eu devo fazer com este “não é”? Eu quero saber o que é que me incomoda sobre isso. Será que é realmente a maneira que foi dita, ou talvez o conteúdo, afinal de contas? Nos dias seguintes decidi fazer pleno uso da biblioteca escolar onde a discussão ocorreu, pois contém uma edição completa das obras de Rudolf Steiner. Com a ajuda de um volume de índice e referência, examino cada passagem que consigo encontrar em que Steiner disse algo sobre o ser de “Javé”. Naturalmente que não posso citar capítulos e versículos aqui, mas como eu li, torna-se muito claro para mim que é impossível determinar um derradeiro “é” ou “não é” a partir da representação dinâmica descritiva característica de Steiner. Ele aborda esta, assim como muitas outras questões, a partir das perspectivas as mais variadas; o estudante só chega a uma compreensão mais plena, além de do próprio texto de Steiner, através da combinação dessas perspectivas! Mas talvez esta seja a minha mentalidade judaica vindo à tona novamente, sem o intuito de classificar o espiritual e o divino na forma de dogma e de frases feitas fixadas por decreto e tornadas obrigatórias para os fiéis. O Judaísmo Rabínico, afinal, contém o princípio da machlóket - ou “multiplicidade de vozes” - na qual diferentes ensinamentos conflitantes podem estar lado a lado sem serem resolvidos. Talvez a multiplicidade de perspectivas no trabalho de Rudolf Steiner seja também uma espécie de machlóket científico-espiritual?
Então algo de grande importância também entra em minhas reflexões. Imagino alguém indo até um judeu religioso e tentando explicar para ele que a divindade para a qual ele reza diariamente não é o Pai de todos, o Criador, a Base da Criação, o Sustentador do mundo, mas “apenas” - bem, o que você quiser. Na melhor das hipóteses ele abanaria cabeça, e com razão. Quem somos nós para, de fora, para mexer com as grandes tradições, ou vir junto com os nossos petulantes valores do aprendizado acadêmico? Pensar que um sabe melhor do que os outros, até onde sei, não pertence às virtudes que Steiner recomendava para aqueles que lutam pelo conhecimento.
Um livro judaico de orações está diante de mim. Orações da manhã, da tarde, da noite: todas imbuídas das mais solenes e sublimes formulações, símbolos e metáforas, que dirigem a pessoa que reza a meditar sobre as derradeiras questões; todas incluem o Nome de Deus. Na Hagadá de Pessach há frases que tornam impossível qualquer reducionismo a aspectos “meramente” hierárquicos, embora este último não precise ser excluído, naturalmente. Inclusive as diferenciações intertrinitarianas, por mais importantes que possam ser em outros contextos, não têm lugar aqui, pois vêm, como se diz na tradição judaica, do pensamento “em grego” e não do pensamento “em hebraico”. E pensar que este pensamento “hebraico”, se não se importam de eu dizer isso, não tem nada a ver com o que às vezes as pessoas rejeitam como sendo “ultrapassado”, “abstrato” e “monoteísta”. O pensamento ‘em grego”, de Dionísio o Areopagita a Vladimir Soloviev, tem seu próprio sabor inigualável, a sua grandiosidade, beleza e verdade profundas. Mas por que deveria ser o único modo de abordagem ao Messias? A religião só pode, no final das contas, ser entendida a partir de dentro, por mais difícil que seja essa metodologia fenomenológica na prática. Se eu tentar compreender o Budismo através dos pontos de vista de Tomás de Aquino, terei falhado antes de começar. E vice-versa, é claro. No cristianismo, naturalmente, as pessoas têm o hábito de considerar o judaísmo como uma mera etapa de preparação, assim como o judaísmo passou a ver o cristianismo como uma espécie de apostasia.
Hoje em dia, acredito, é hora de superar tais hábitos de pensamento. Deixem-me citar outra passagem da Hagadá: “Eu te levei para fora do Egito; nenhum anjo, nem serafim, nem mensageiro. Eu Mesmo - e não outro”.
Franz Rosenzweig, o grande filósofo judeu religioso, articulou a sua compreensão do Messias através do seu “Eu mesmo e nenhum outro”. E foi o mesmo homem que certa vez, referindo-se à espera dos judeus pelo Messias e do ensino do Novo Testamento sobre a segunda vinda de Cristo, fez a enigmática pergunta: se esses eventos ocorrerem, se não serão uma e a mesma coisa!
O Que Deus É – ou o que também não é - 6a Parte 
A visão de um professor Waldorf judeu 
Samuel Ichmann 

A Caricatura do Judeu
Eu não posso continuar meu artigo sem falar da peça teatral de Oberufer, “Os Três Reis” muitas vezes encenada nas escolas Waldorf. Como as pessoas devem saber, ao contrário das oturas duas peças de Oberufer – “O Paraíso” e “Os Pastores” - o Clero (cristão) teve a sua mão na criação desta peça de teor altamente dramático do teatro folclórico, e talvez seja por esse motivo que os sacerdotes e sumo-sacerdotes receberam foram apresentados de modo generalizado como “os judeus”. Terá sido esta uma tentativa de esconder o fato de que cada sacerdote, mesmo um cristão, pode às vezes agir mais como um
obstáculo, em vez de mediador para o bem? Ou terá sido esta uma referência direta aos judeus como “assassinos de Deus”? Seja qual for a verdade, eu gostaria de descrever a impressão que me ficou da primeira vez que assisti os “Os Três Reis”. Isso foi na Escola Waldorf Uhlandsh.he, em Stuttgart, em 1973. Saliento a data porque eu assumo que as coisas mudaram desde então, e que a peça já não é mais dirigido da mesma forma. Naquele tempo eu participava do curso de formação de professores Waldorf em Stuttgart, e nós, os estudantes, fomos convidados a assistir às peças. Esta peça me pareceu uma poderosa e marcante apresentação teatral, com uma interioridade intensa que muito me agradava e que me deixei envolver de bom grado. Foi quando de repente apareceram “os judeus”. Eles vestiam roupas de judeus ortodoxos do Leste Europeu ortodoxo – chapéus pretos de aba larga, sobretudos, barbas e longos peyes (cabelos laterais deixados sem cortar, conforme orientação religiosa – N. do T.) - e contorcidos, tremendo, falando com jargões apressado e inquieto e que, no final, caíam juntos para trás para fora do banco em que se sentaram. Isto foi, aliás, uma conquista bastante teatral, pois os professores não eram atores profissionais. Podemos imaginar as gargalhadas da sala, cheia de crianças de todas as idades. Mas eu estava profundamente perturbado. Seria uma reação exageradamente sensível de alguém que ainda tinha as feridas contidas por uma memória coletiva de séculos de perseguição e difamação? Ou simplesmente o fato de que meu bisavô materno, Israel Schuchner, costumava se vestir assim, e que era um homem calmo, religioso, dedicado à oração e ao estudo da Torá, que teve a sorte de morrer de morte natural pouco antes de os nazistas chegarem à cidade do Leste Europeu onde viveu? (Minha bisavó, Perl Rochel, foi transportada para Auschwitz quando tinha mais de 80 anos, juntamente com alguns dos seus filhos e netos. Nenhum deles voltou). Mas talvez a minha angústia também estivesse relacionada com a total estranheza de todos sobre essas coisas.
Na escola onde eu lecionei pela primeira vez como professor Waldorf me pediram me juntar à companhia teatral dos “Três Reis” apenas um ano mais tarde. O diretor, alguém por quem eu tinha e ainda tenho o maior respeito, e que infelizmente morreu muito jovem, era um professor Waldorf da 'velha guarda', filho de um professor da primeira turma de professores de 1919. Ele sabia das minhas origens judaicas e pensou que eu poderia, por isso mesmo, ser capaz de trazer autenticidade àqueles gestos! Na época eu fiquei surpreso com essa ingenuidade alemã,
E ainda estou surpreso até hoje. Felizmente, os figurinos nesta escola eram bastante diferentes daqueles em Stuttgart - muito originais, os trajes dos sacerdotes eram estilizados, sem a menor semelhança com os da aldeia dos judeus da Europa Central e Leste. Notei também que para essas personagens o termo “sacerdotes” substituía gradualmente a designação “judeus”. Lembro-me de um colega a fazer a surpreendente pergunta em uma reunião do curso de formação - se, depois do que os alemães fizeram aos judeus, se alguém afinal de contas ainda deveria encenar esta peça. É só em retrospectiva que eu percebo que no início de 1970 o processo de trabalho através da história recente da Alemanha de fato só tinha começado. No entanto,u não aceitei o papel que me foi oferecido (mas aceitei outro papel no lugar).
O Que Deus É – ou o que também não é - última parte 
Samuel Ichmann
A respiração das crianças que aprendem
Lembro-me nos meus tempos de estudante de como um pastor francês da Comunidade de Cristãos certa vez me abraçou e me disse com alegria como era grande o seu amor e reverência pelo Judaísmo. Este caloroso sentimento era certamente genuíno. Uma vez dei para ele um volume de contos de Martin Buber, “Contos dos Chassidim” (“Histórias do Rabi”, Ed. Perspectiva, em português – N. do T.), e ele depois me disse que isso era algo que todos os pastores deveriam ler, e tinha sido de grande ajuda para ele em seu trabalho.
Alguns anos atrás eu também aprendi que Rudolf Steiner aconselhou um jovem - que veio até ele para perguntar se ele poderia se tornar um pastor - para estudar o livro do Baal Shem Tov, o semilendário fundador do movimento chassídico no século 18.
A minha pergunta é se este livro não poderia ser um ótimo recurso na preparação da “santa” profissão de professor, tal como Rudolf Steiner a via. É cada vez mais difícil ter acesso a impulsos de pensamento e sentimento que salientem a qualidade religiosa da educação Waldorf. Na minha opinião, não é só por causa dos compromissos que em nosso movimento têm sido por vezes internalizados, muito mais do que o necessário, na vida do sentir das pessoas, e que sufocam a espontaneidade da nossa pedagogia; mas também porque nossas andanças no deserto, sem dúvida, têm um finalidade: acender o fogo interior, alimentado através do encontro entre indivíduos. A finalidade mais profunda do encontro é a prática de atenção e da devoção para com o ser e o potencial do outro, a criança feita à imagem de Deus, que foi confiada a mim.
Ao pensar – e com isso gostaria de concluir – sobre a tarefa central da educação, especialmente em nossos dias, penso sobre “aprender a respirar”, para o que Rudolf Steiner dá uma importância tão enfática no início do seu “Estudo sobre o Homem”.  Será que estamos sendo realmente sérios? Não estaremos, frequentemente, nós mesmos tão fora do ar em nossa correria diária que, apesar de entendermos isso na teoria e podermos relacionar todos os tipos de ideias a isso, nós na verdade não conseguem fazê-lo de verdade? Será que não precisamos diariamente recriar e revitalizar a nossa consciência do presente na mais terrena das situações cotidianas?
Como me é estranhamente familiar e ao mesmo tempo expressa de maneira original para nós esta frase do Talmud, que parece ter uma íntima relação com os valores pedagógicos e terapêuticos subjacentes à educação Waldorf, e que ainda assim é cunhada em sua inimitável “forma em hebraico”: “O mundo repousa sobre a respiração das crianças que aprendem”.
Educação Judaica e Pedagogia Waldorf - será possível?
Esta é a pergunta que me fiz durante o curso de Educação Judaica em minha formação rabínica, motivado por uma observação do ex-ministro da educação de Israel Yossi Sarid, em uma palestra no HUC, de que a Pedagogia Waldorf poderia ser uma boa opção como parte do sistema educacional em Israel. Estou pesquisando o tema - não de forma totalmente abrangente nem conclusiva. Visitei uma escola Waldorf em Jerusalem, que me causou impressões as mais diversas. Meu olhar foi basicamente focado em educação judaica, e não em outra coisa.
O que encontrei?  Uma escola na qual, naturalmente, todos falam hebraico, alunos e educadores são judeus. Consideram-se religiosos, não no sentido estrito do termo, mas no sentido o mais universal: a re-ligação com o Divino. O judaísmo permeia o ambiente, mas minha impressão é que não se destaca de outros aspectos. A expressão do judaísmo se dá por sua cultura, pelas histórias bíblicas, pela música israelense, que abrem espaço para a expressão dos alunos. As orações e ritos tradicionais, porém, estão à margem, e se podem ser sentidos, é como se fosse muito de leve. Falta mais clima judaico, para mim.
Não há como não ser uma escola judaica, por ser em Israel - esta foi a minha impressão inicial. Este é o meio onde estão situados, no coração de Jerusalem. Mas fiquei confuso: por um lado, achei lindo o modo como as crianças dialogam com os textos bíblicos, como se colocam no lugar das personagens bíblicas, como falam com Deus, o modo delicado como são alfabetizadas, conforme as bases da educação antroposófica. Por outro, há também a incômoda sensação de tudo vir de uma tradição importada, algo de fora, que envolve, mas não alimenta o judaísmo na alma.
As orações, conhecidas de cor por alunos e professores, são traduções de orações criadas por Rudolf Steiner, que fundou o movimento antroposófico e deu as bases para a educação Waldorf. Uma professora me disse que se deve desvinvular a antroposofia da educação waldorf, e que o que Steiner escreveu em um dado contexto deve ganhar nova conotação de acordo com a cultura na qual se está inserido. Isso seria a justificativa para se entender que em Israel, em uma população judaica, tais orações e práticas ganham conteúdo e espírito judaicos. Mas não sei - se eu não conhecesse a motivação religiosa e espiritual destas orações, diria que elas são universais e bastante atuais, em sintonia com aspirações e preocupações com a ecologia e com a harmonia entre o ser humano, o planeta em que vive e o mundo espiritual. Mas é difícil para mim desvencilhar certos simbolismos das orações de Steiner de uma origem cristã esotérica, em que o sol, por exemplo, representa mais do que simplesmente o sol, mas uma "energia crística" que nutriria o mundo. Os professores não me pareceram conscientes nem cientes das origens das orações que cantam, mas para mim me soou nada judaico e muito desconfortável. Como se algo subliminar de um espírito que não é judaico pudesse ser passado aos alunos, sem que se dessem conta. Numa filosofia que preza tanto a liberdade e a consciência, esta falta de consciência me parece cercear a liberdade de escolha, até da escolha de permanecer ou não judeu. Ao estarem em Israel, a escolha pelo judaísmo me parece a mais óbvia. Mas uma educação waldorf que se pretendesse judaica fora de Israel teria que incluir algo, digamos, mais judaico.
Por outro lado, a acusação de certos grupos fundamentalistas de que seria uma escola que oferece educação cristã a seus alunos me parece leviana. Se por um lado o espírito judaico não me parece devidamente alimentado - ou, numa metáfora, a alimentação está desbalanceada - por outro não vi em nenhum lugar algo que denotasse educação não judaica. 
O que me parece garantir, portanto, que estas crianças estão sendo formadas a partir de um espírito judaico é o fato de viverem em Israel, terem outras influências em suas vidas além da formação escolar tão singular que recebem, e estarem permeadas, na própria escola, pelo hebraico, pelo espírito de solidariedade próprio do judaísmo, pelo amor ao próximo. os valores universais do judaísmo estão preservados. os valores particulares me pareceram deixados à margem. Estão lá - mas em muito menor intensidade. 
Claro, esta é uma visão particular minha, e deve haver outros aspectos que não pude perceber em período tão curto de observação e leitura de algum material judaico em relação a uma educação Waldorf ao qual tive acesso.
Há outras escolas em Israel que utilizam parcialmente certos aspectos da educação Waldorf. por exemplo, em Modiin há um colégio de método "Tali" - criado pelo movimento conservador/masorti - cuja professora de artes trabalha segundo a Waldorf; mas no restante, a escola inspira nos alunos o espírito judaico, através de suas orações e símbolos tão familiares e dentro de uma visão judaica progressista e igualitária. Me parece uma combinação mais razoável. o que a formação Waldorf não oferece, é oferecido pelos rabinos e professores da escola Tali. Assim, vejo como possível, sim, que haja uma contribuição da pedagogia Waldorf para a educação judaica, mas não que venha a ser a única contribuição. 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Culpa e liberdade - Deus, me perdoe por descobrir-te de novo
Uri Lam 
Descobri esta semana que existe alguém como Chanoch Daum, através do artigo de Amir Gueler - que tive o prazer de conhecer pessoalmente, é o primeiro professor da escola Waldorf "Adam", de Jerusalém. Daum, 36 anos, filho do rabino Yechezkel Daum, é jornalista e articulista israelense. Atualmente escreve para o Suplemento de Shabat do jornal Yediot Acharonot, desde 2007.
Daum viveu boa parte de sua vida como judeu ortodoxo dati leumí (religioso sionista). Estudou no Mercaz Harav, em Jerusalem, e em outras yeshivot. Um dia decidiu questionar o mundo em que vivia. Tornou-se um "chozer b'sheelá", aquele que volta a questionar - ou como se diz em Israel, um datlásh - dati lesheavár, um ex-ortodoxo.
Mas ele também se sente culpado por deixar o modo de encontro com Deus no qual foi criado - apesar de estar convicto de que este não é o seu modo de encontrar-se com Deus e de viver judaicamente. Daum não critica nem culpa quem vive o estilo de vida ortodoxo. Ele somente pensa que este não é o único caminho.
Abaixo uma pequena parte de um artigo que escreveu em 2005, para o jornal Maariv. Daum desconstroi e reconstroi seu encontro, sua crença com Deus, Maravilha-se e assusta-se com ela. Nada mais judaico. boa leitura!
Não tenho nenhum conceito sobre judaísmo. Tenho apenas a minha descoberta, pessoal, deste novo Deus, que sempre se esconde dos meus olhos, e que é um Deus muito acolhedor e atencioso. Deus que não é obsessivo sobre os detalhes, Deus que busca a ética e a justiça, Deus que deseja compaixão, amor e alegria, Deus que não age de acordo com a contagem de todos os pontos. Este é Deus. Deus que não constrange, Deus aberto, Deus que acredita em mim e que não pede somente para que eu acredite Nele. Este é o soberano que aceita seus filhos e não o rei que julga seus súditos. Não é um Deus religioso, mas um Deus universal. Não é um Deus que separa, mas um Deus que criou a todos, todos todos... Deus, me perdoe. Me perdoe por ter te descoberto de novo. (Chanoch Daum, 2005)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Dezoito ou Dezenove Bênçãos? A Bircat haMinim
Uri Lam 
Há diversas orações que compõem o sidur, o livro judaico de orações, que muitos israelenses dizem que se os judeus que vivem fora de Israel - e que porventura não compreendam bem o hebraico - entendessem o que estão rezando, deixariam de rezar certas passagens.
Isso faz sentido em várias orações, mas na minha opinião, não é o caso da polêmica "Benção (contra) os "maldosos". Tanta polêmica que em muitas versões censuradas do Talmud (pelos que perseguiam os judeus) ela aparece como "Benção (contra) os Tsadukim (saduceus)", tradicionais adversários dos Prushim (fariseus) nos tempos talmúdicos, há cerca de 2 mil anos.
Mas é bem provável que esta oração tenha se dirigido à seita cristã que surgia no período ao redor da destruição do 2o Templo de Jerusalém. Hoje há um diálogo saudável e próspero entre lideranças do povo judeu e de diversos setores da religião cristã, que entendem que judaísmo e cristianismo têm crenças diferentes e os últimos não buscam mais, em boa parte (com raras e triste exceções) querer converter judeus ao cristianismo nem buscar convencer os judeus que é possível ser judeu e acreditar em Jesus como o Messias.
E não era esta a realidade nos tempos imediatamente posteriores à destruição do Templo Sagrado. para a então recém-criada seita cristã (que anos mais tarde se constituiria numa religião organizada), segundo o rabino Beniamin Lau (em seu livro "Chachamim"- Os Sábios, vol. 2, em hebraico), a destruição do Templo, centro da vida judaica de então, era um sinal mais do que claro de que o "povo de Israel terreno" havia sido abandonado por Deus graças aos seus pecados. E que deveriam espalhar as "boas novas"  de que uma "nova Israel" surgira, e Jesus era seu Messias.
Embora a maioria dos cristãos pós-Templo nada tenha a ver com o povo judeu - adotaram o cristianismo através do trabalho missionario de Paulo de Tarso entre diversos povos nos arredores - uma parcela bem menor de judeus havia adotado as novas crenças e tinha, segundo o rabino Lau, constrangiam e ameaçavam os valores judaicos preservados a duras penas pela geração de Iavne. Rabi Gamliel, com o intuito de deixar claro o quanto a presença daqueles não era bem vista nos novos centros de estudos e sinagogas, bem como para que os judeus não fossem confundidos com os Maaminê Ieshu haNotsri (os crentes em Jesus, o Nazareno) pelos romanos - era época também de perseguição romana aos cristãos, que só mais tarde se converteriam ao cristianismo, dando origem ao Catolicismo -  propôs a instituição de uma nova benção, a ser integrada às tradicionais Dezoito Bênçãos que formavam a principal oração judaica até então.
Conforme o rabino B. Lau, esta oração deixava bem claro a todos os que vinham às sinagogas - não para visitar, mas para converter judeus à nova crença - que para isso eles não eram bem vindos.
Dezoito bênçãos falam de agradecimento aos nossos antepassados, por terem nos legado uma tradição tão rica e bela, pedidos por saúde, prosperidade e paz. Mas como os rabinos não são bobos, a última benção acrescentada às demais dezoito da Amidá representa claramente que aqueles que nos querem mal - e querer nos fazer acreditar no que não acreditamos é nos fazer mal - não são bem vindos à nossa casa.
Bastante atual esta inclusão. Ainda hoje há aqueles que querem se passar por judeus  - e acham que estão nos fazendo um bem - para levar aos judeus uma mensagem que não é nossa. Para estes foi criada pelo modesto Shimon haKatan a Bircat HaMinim e só prá estes. Como diz o rabino B. Lau, continuam não sendo bem vindos.
abaixo uma tradução simplificada e informal da passagem do Talmud que conta um pouco desta historia. Quando tiver tempo, conto como um dos sábios abaixo, Rabi Eliezer, foi confundido com os "minim" (Maaminê Yeshu Hanotsri) e levado à "polícia" da época pelos romanos e de como ele escapou desta fria.
boa leitura! 

Talmud Bavli, Brachot 28b
versão informal e explicada: Uri Lam, fev. 2011
Eram os tempos da Mishná... (antes da destruição do 2o Templo)
Estavam reunidos, estudando juntos, um grupo de sábios. O tema do dia eram as Shemone Esre, as Dezoito Bênçãos, oração central dos serviços religiosos judaicos da semana.
No meio da conversa, Raban Gamliel afirmou: “Deve-se rezar as Shemone Esre todos os dias”. Mas como a cada dois judeus há três opiniões, entre os rabinos não poderia ser diferente. Logo veio Rabi Iehoshua e contestou: “Não! Basta uma versão abreviada, a Meêin Shemone Esre”.
Rabi Akiva sorriu para os colegas e contemporizou: “Bem, se ele tiver a reza na ponta da língua, que recite as Dezoito Bênçãos completas. Mas se não souber tudo bem, reza a versão abreviada, qual é o problema?”. 
Rabi Eliezer aproximou-se e disse: “Não sei não... desconfio de que se uma pessoa reza todos os dias a mesma coisa de modo fixo, suas preces perdem o sentido...”.
Rabi Iehoshua veio defender sua posição e a contextualizou: “Queridos amigos, vivemos tempos perigosos. muitos de nós já fomos assassinados. E se um judeu estiver passando por um lugar perigoso, o que deve fazer? Parar e rezar todas as Dezoito Bênçãos?! Correrá risco de vida! Basta que reze a versão abreviada e no final diga: ‘Eterno, salve o Teu povo, os remanescentes de Israel. Em toda situação pela qual passarem, que suas necessidades sejam atendidas por Ti. Bendito sejas Eterno, que escutas a tefilá.” (...)

Um bom tempo depois, na época da Guemará... (depois da destruição do 2o Templo)

Estavam reunidos, estudando juntos, um grupo de sábios. O tema do dia eram as Shemone Esre, as Dezoito Bênçãos, oração central dos serviços religiosos judaicos da semana. O tempo passa, e os judeus continuam estudando o que lhes foi legado por herança pelas gerações passadas, desde os tempos de Moisés no Sinai... não! Desde Avraham Avinu! Não, desde sempre! Bom, esta é outra discussão... mas vamos ao tema do dia:
Pergunta: A que correspondem as Dezoito Bênçãos?
Rabi Hilel, filho de Rabi Shmuel bar Nachmani, disse: “Pelo que aprendi, corresponde às dezoito menções ao Nome de Deus feitas pelo Rei David no Salmo 29 (Havu L’Ad-nai, benê elim)".
Rabi Iossef contestou: “Aprendi outra coisa, e me parece que a minha tradição é mais antiga do que a sua. Elas correspondem na verdade às dezoito menções ao Nome de Deus feitas na leitura do Shemá”.
Rabi Tanchum aproximou-se e comentou, daquilo que aprendeu com Rabi Iehoshua bar Levi: Amigos, quando rezamos, aprendemos que devemos rezar com todos os nossos ossos, lembram-se? Corresponde às dezoito vértebras da coluna espinhal". E ele continuou: "Quando formos rezar as Dezoito Bênçãos, devemos movimentar toda a coluna e nos abaixarmos até a última vértebra!" 
Ula disse: “Não precisa. Basta se curvar até a altura do coração, de modo que possa ver, por exemplo, uma pequena moeda no chão”.
Rabi Chanina foi mais longe: “Basta curvar a cabeça”.
E Raba arrematou: “Sim, mas só se não lhe causar dores”.

E são mesmo Dezoito Bênçãos?!

Rabi Levi disse: "Tem mais uma, a Bircat haMinim. Mas ela só foi instituída em Iavne, depois da destruição do 2º Templo, quando as perseguições romanas aumentaram e, como se isso não bastasse, passamos a ter entre nós gente que vem e tenta nos convencer de que agora vivemos um novo tempo, em que não é preciso mais fazer brit milá (circuncisão ritual), nem mitsvot (mandamentos religiosos), nem nada. Basta acreditar que o Mashiach já veio! Meus colegas, nestes tempos cruciais, a Bircat haMinim é parte integrante de nossas orações. Que Deus nos proteja - destes e daqueles!" 
Os outros se olharam e perguntaram: "Mas ela corresponde a que?"
Rabi Hilel, filho de Rabi Shmuel bar Nachmani, disse: “Corresponde a “El hacavod hir’im, do Salmo 29 do Rei David".
Os demais se olharam novamente e entenderam o recado. Hir'im, se lido de outro modo, soava como "haraím", os maus. A benção buscava proteger os judeus daqueles que, de um modo ou de outro, não os queriam bem, ou não os aceitavam como eram, com suas crenças e tradições já milenares.
Rav Iossef reforçou o sentido e afirmou: "Ela corresponde ao “Echad” (Um) da leitura do Shemá! Para deixar claro a quem entrar em nossas sinagogas e centros de estudos que para Israel, o Eterno é nosso Deus - e nosso Deus é Um só".
Rabi Tanchum relembrou e reforçou o que dissera antes, daquilo que aprendeu com Rabi Iehoshua ben Levi: “Corresponde a uma pequena vertebra no fim da espinha. Devemos nos abaixar até lá, até a última. E se doer? é para nos lembrarmos de que existem dores piores que não estamos dispostos a suportar".

Nossos sábios ensinaram que Shimon HaPaculi foi quem organizou as Dezoito Bênçãos originais, diante de Raban Gamliel, em Iavne.
Raban Gamliel perguntou aos sábios: “Não tem ninguém que possa compor a Bircat haMinim? Ela não deve ser uma benção vinda de outro lugar que não seja do coração. Não queremos mal aos outros, somente queremos distância daqueles que não nos querem bem. Quem se voluntaria?"
Shmuel HaKatan, o Pequeno, levantou-se e se voluntariou a compor a Bircat haMinim.
Conta-se que no ano seguinte ele a esqueceu e não a pronunciou. mas isto é uma outra história. 
Parashá da Semana: Tetsavê - Entre Nós: O Sagrado está na Relação
Uri Lam, para o boletim Congregar, da CIP

Rabi Chanina disse: “Virá o santo, e entrará no que é santo, irá se aproximar do que é santo, e expiará em favor de todos os santos”. (Midrash Raba: Tetsavê 38, 7)

Impressionante a capacidade de certos sábios de resumir uma parashá inteira em uma única oração. Mais impressionante ainda é a capacidade de atiçar a nossa curiosidade para a leitura da Torá desta semana. Afinal, do que Rabi Chanina está falando? Desde quando temos santos no povo judeu? Isso não é um tema judaico!, dirão alguns.
A questão da kedushá, da santidade, é parte integrante da vida judaica. Nós rezamos todos os dias na Amidá, a grande oração de nossos serviços religiosos, a inserção da Kedushá: “Cadosh, Cadosh, Cadosh, Ad-nai...” – Santo, Santo, Santo, o Eterno... (Isaías 6:3).  Não é incomum escutarmos de certas pessoas que seu intuito pessoal é ter uma vida santa. Como se faz isso? Um grande amigo me disse uma vez que “os rabinos, quando escrevem seus comentários sobre a Torá, têm uma enorme capacidade de criar boas perguntas, mas em geral não têm boas respostas”.
Vejamos o que nos conta a Torá nesta semana. Deus diz a Moisés para que dê uma ordem aos israelitas: “Tragam o mais puro azeite para manter continuamente acesa a luz no Ohel Moed, a Tenda da Reunião.” Em seguida a nossa leitura se concentra nos cohanim, os sacerdotes. Quais devem ser suas vestimentas e ornamentos, como estes devem vesti-los, como devem se portar. Tudo parece centrado neles, como se coubesse apenas ao líder religioso a obrigação de levar uma vida inspirada pelo sagrado: “E as vestimentas de santidade de Aarão depois serão para seus filhos... e serão consagrados com elas” (Êxodo 29:29).
Em diversas tradições, o líder religioso é vestido e investido por sua comunidade de uma condição especial. Alguns o chamam de pastor, outros de homem de Deus, outros ainda de sábio, guru, mestre. Atribui-se a estes homens e mulheres uma espécie de poder mágico, a capacidade sobre-humana de intervir junto a Deus em favor dos demais. Também entre nós, no povo judeu, esta prática é largamente adotada.
Nesta hora surge Rabi Chanina e nos diz que ninguém é santo sozinho. O rabino da época do Talmud estende a condição do sagrado desde a terra até os céus: “Virá o santo – Aarão; e entrará no que é santo – o micdash, o espaço sagrado; irá se aproximar do que é santo – Deus; e expiará por todos os santos - Israel”. A condição do sagrado não é uma exclusividade do líder religioso. O sagrado é inclusivo, construído e instaurado na dinâmica das relações entre o indivíduo, o lugar em que vive, Deus, e sua comunidade.
No mesmo midrash conta-se que, ao observar o sacerdote em suas roupas no mais sagrado dos espaços e no mais sagrado dos dias, o Iom Kipur, Deus não se recorda dos próprios méritos, nem da santidade do local, tampouco dos méritos do sacerdote. Deus se recorda dos méritos das tribos, do povo.
Em seu comentário para a parashá Tetsavê, o livro do Zohar - que a tradição atribui a Shimon bar Iochai - praticamente não se refere aos cohanim. Entre suas diversas vozes, escutamos a de Rabi Itschac: “A luz do alto e a luz de baixo são uma só, e o seu nome é ‘Tu’” (Tetsavê, 1). O Zohar se antecipa por séculos à brilhante obra de Martin Buber, “Eu-Tu”, que estabelece que o sagrado não está em mim nem em você, mas no verdadeiro encontro entre nós, num instante e local precisos. O sagrado está na relação: “Morarei entre os filhos de Israel e serei para ele Deus (Êxodo 29:45).
A luz permanecerá acesa enquanto alimentarmos em nossas relações – entre a comunidade, lideranças religiosas, o espaço em que nos reunimos e Deus – o processo contínuo de construção e manutenção do sagrado.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Rabinos, professores e escritores israelenses: Projeto de lei que garanta verba para batê midrash (centros de estudos) judaicos pluralistas

Dezenas assinaram um documento que convoca comissão legislativa para permitir o reconhecimento de batê midrash democráticos e que recebam verbas estatais: “O objetivo é contribuir para reforçar a identidade judaica”

Kobi Nachshoni, 03/02/2011, jornal Yediot Acharonot

Trad.: Uri Lam

Dezenas de rabinos e líderes espirituais assinaram o documento que convoca o secretário de cultura Limor Livnat e membros da Comissão de Constituição para aprovar a proposta de lei que reconheça os batê midrash judaicos democráticos. A proposta, enviada pelo membro da Knesset Zevulun Orlev e a rede de Batê Midrash, destina-se à tarefa de fornecer verbas a estas instituições. Entre os signatários estão os professores Zeli Gurevich, Ariel Hirshfeld, Ioram Yuval, Iedidia Stern, Avigdor Sheinan e Iuli Tamir; os escritores Shimon Adaf, Chaim Beer, Iochi Brandes e Chaiota Deutsch; e os rabinos Beni Lau, Michael Melchior, Yuval Sharlev e Shai Peiron.

Os signatários concordam que “a finalidade dos centros de estudos é contribuir para reforçar a identidade judaica e o estabelecimento de valores israelenses comuns aos judeus em Israel e no mundo, ligados à cultura atual, à herança judaica e ao renascimento do povo judeu em sua terra”. No projeto de lei está escrito que os Batê Midrash atuam junto a um público diversificado – religioso, tradicional e laico – “dentro de uma riqueza capaz de ensinar a diversidade explícita da cultura do povo de Israel ao longo de suas gerações, através da comparação e da criatividade interpretativa, que geram a produção de uma relação pessoal entre aquele que aprende e as fontes de referência judaicas”.
Shas apresenta: “Entrevista para conversão lituana”
Coluna de humor do boletim Iom Leiom (Dia a Dia), publicado pelo movimento religioso sefaradi Shas, do rabino Ovadia Yosef, sobre os aspectos da conversão ortodoxa ashkenazi lituana ao judaísmo.
Fonte: Yedioth Acharonot, 03/02/2011
Trad.: Uri Lam

 ***
- Você aceita para si o jugo da Torá e das mitsvot (mandamentos)?
- aceito.
- aceita de verdade ou só diz isso da boca prá fora?
- aceito de verdade.
- O que isso quer dizer?
- Que eu aceito para mim de verdade o jugo da Torá e das mitsvot.
- Tudo tudo?
- Tudo.
- Todas as mitsvot?
- Todas as mitsvot.
- Até a última vírgula?
- Até a última vírgula.
- Shabat, cashrut, pureza familiar, tudo?
- Sim, certamente. Shabat, cashrut, família, tudo.
- E sobre a educação dos filhos, você os mandará para as  nossas instituições?
- Só para as suas instituições.
- E se nós não quisermos recebê-los, você os mandará para uma instituição sefaradi?
- Sim.
- Sim o quê?
- Se vocês não quiserem recebê-los, vou mandá-los para uma instituição sefaradi.
- Então saiba desde já que nós não queremos recebê-los.
- Por quê?
- Este não é um tema para não judeus. Nem os judeus entendem isso.
 - Ok.
- Tem certeza?
- Tenho certeza.
- Você não vai reclamar?
- Eu não vou reclamar.
- E a sua hashkafá como judeu, será uma hashkafá lituana?
- o que é “hashkafá”?
- Esquece. “Lituana” você sabe o que é?
- Sim. É claro.
- Então é suficiente.

** *
 - Você ouvirá só o que os nossos rabinos lhe disserem?
- Sim.
- E só estudará pelos livros que lhe forem indicados?
- Definitivamente.
- E se vestirá só como acharmos que deve?
- Só como vocês acharem que devo. Kipá srugá (de crochê) tudo bem?
- Deus nos livre. Rejeitada em todos os aspectos.
- Eu não entendo disso. Chapeu de Chassid está bem?
- Não. Os chassidim são “vagabundos”,  você não tem ideia.
- Eu não sabia. Então vestirei um chapéu do Chabad.
- Você está louco? Ele são uma “seita” total.
- Então talvez um chapéu iemenita tradicional.
- De jeito nenhum. Afaste-se dos Frankistas.
- Então vou vestir o quê?
- Kipá preta, casaco escuro e chapéu de yeshivá.
- É obrigatório?
- Claro, é obrigatório.
- Então eu concordo.
- Beleza. Portanto você concorda realmente em aceitar para si o cumprimento de todas as mitsvot, das mais fáceis às mais difíceis?
- O que tudo isso tem a ver com aceitar as mitsvot?
- Claro que tem a ver. Este é o modo judaico.
- Então eu aceito.
- Sem quaisquer reservas?
- Sem quaisquer reservas.
- O que significa “sem quaisquer reservas”? Especifique.
- Eu aceito para mim o cumprimento de todas as mitsvot, das mais fáceis às mais difíceis, sem quaisquer reservas.
- Com toda a seriedade?
- Com toda a seriedade.
- Com certeza?
- Com certeza.
- Você não se conectará – misericórdia – à sombria e miserável Internet?
- Deus me livre.
- Nem lerá a revista semanal “charedi” (ultra-ortodoxa)?
- Espere um pouco, por que não?
- Porque ela destrói a educação das crianças.
- Então é claro que não lerei.
- Exceto o “Yated Neeman” (boletim semanal ultraortodoxo de Nova York), claro.
- Qual é a diferença?
- Não há nenhuma diferença. Mas essas são as instruções que recebemos.
- Então tá, que seja.

 ***
- É desagradável para nós, mas precisamos saber, o que acontece se um rabino X discordar do seu rabino, o que você fará?
- O que eu tenho que fazer?
 -Você irá escutá-lo?
- Não.
- Você irá respeitá-lo?
- Sim.
- Inaceitável para nós. É proibido que isso aconteça.
- Por quê? Ensinaram-me que “estas e aquelas são palavras do Deus Vivo”, não é assim?
- Não mesmo. A sabedoria da Torá é uma só.
- Então o que vocês querem?
- Não muito. Apenas a expressão veemente de protesto, surpresa, choque e desgosto.
- Agora sou eu que estou em estado de choque.
- Com o que exatamente você se chocou?
- Com esta exigência tão estranha.
- Você não tem escolha. Este é o modo judaico.
- Mas eu não sei como se faz isso.
- Não se preocupe. Para isso existe o “Yated Neeman”.
***

- Perdão se questionamos você assim, com tanta pressão. Mas entenda, antes de você muitos estiveram aqui e prometeram coisas parecidas, mas depois da conversão eles abandonaram quase tudo com o que se comprometeram aqui.
- Não, não. Eu me coloco com as mais sérias intenções.
- O problema é que eles também disseram que se colocavam com as mais sérias intenções...
- Mas eu realmente me coloco com toda a seriedade. Veja, eu afirmo explicitamente:  eu realmente pretendo, com toda a seriedade, aceitar para mim o jugo da Torá e das mitsvot.
- Está bem. Mas e quanto o resto que você prometeu? Como podemos estar 100% seguros de que você é mais sério do que eles? Entenda, isso não é engraçado.
- Eles disseram que mandariam os filhos para uma instituição sefaradi?
- Disseram.
 -Disseram sem reclamar?
- Disseram.
- Falaram da “hashkafá” (visão de mundo) lituana?
- Falaram.
- Falaram mesmo, mesmo?
- Falaram mesmo, mesmo.
- E vocês contaram para eles que também precisariam ouvir somente os rabinos daqui, estudar somente pelos livros daqui e se vestir do jeito que vocês querem?
- Com certeza.
- E o que eles responderam?
 -Eles responderam o que você fala, que as suas intenções eram as mais sérias.
- Falaram mesmo, de verdade?
- Falaram mesmo, de verdade.
- Falaram do “Yated Neeman”?
- Falaram. Com certeza.
- Prometeram choque e surpresa e tudo isso?
- Prometeram tudo.
- Se é assim, então não é preferível que vocês abram mão de todas essas exigências e fiquem somente com a aceitação do jugo da Torá e mitsvot?
- Deus nos livre. Nem levamos isso em conta.
- Então não precisa!! Vou me converter em outro lugar.
- Impossível!! Qualquer outra conversão é uma sabotagem ao vinhedo de Israel!!!