O Que Deus É – ou o que também não é - 6a Parte
A visão de um professor Waldorf judeu
Samuel Ichmann
A Caricatura do Judeu
Eu não posso continuar meu artigo sem falar da peça teatral de Oberufer, “Os Três Reis” muitas vezes encenada nas escolas Waldorf. Como as pessoas devem saber, ao contrário das oturas duas peças de Oberufer – “O Paraíso” e “Os Pastores” - o Clero (cristão) teve a sua mão na criação desta peça de teor altamente dramático do teatro folclórico, e talvez seja por esse motivo que os sacerdotes e sumo-sacerdotes receberam foram apresentados de modo generalizado como “os judeus”. Terá sido esta uma tentativa de esconder o fato de que cada sacerdote, mesmo um cristão, pode às vezes agir mais como um
obstáculo, em vez de mediador para o bem? Ou terá sido esta uma referência direta aos judeus como “assassinos de Deus”? Seja qual for a verdade, eu gostaria de descrever a impressão que me ficou da primeira vez que assisti os “Os Três Reis”. Isso foi na Escola Waldorf Uhlandsh.he, em Stuttgart, em 1973. Saliento a data porque eu assumo que as coisas mudaram desde então, e que a peça já não é mais dirigido da mesma forma. Naquele tempo eu participava do curso de formação de professores Waldorf em Stuttgart, e nós, os estudantes, fomos convidados a assistir às peças. Esta peça me pareceu uma poderosa e marcante apresentação teatral, com uma interioridade intensa que muito me agradava e que me deixei envolver de bom grado. Foi quando de repente apareceram “os judeus”. Eles vestiam roupas de judeus ortodoxos do Leste Europeu ortodoxo – chapéus pretos de aba larga, sobretudos, barbas e longos peyes (cabelos laterais deixados sem cortar, conforme orientação religiosa – N. do T.) - e contorcidos, tremendo, falando com jargões apressado e inquieto e que, no final, caíam juntos para trás para fora do banco em que se sentaram. Isto foi, aliás, uma conquista bastante teatral, pois os professores não eram atores profissionais. Podemos imaginar as gargalhadas da sala, cheia de crianças de todas as idades. Mas eu estava profundamente perturbado. Seria uma reação exageradamente sensível de alguém que ainda tinha as feridas contidas por uma memória coletiva de séculos de perseguição e difamação? Ou simplesmente o fato de que meu bisavô materno, Israel Schuchner, costumava se vestir assim, e que era um homem calmo, religioso, dedicado à oração e ao estudo da Torá, que teve a sorte de morrer de morte natural pouco antes de os nazistas chegarem à cidade do Leste Europeu onde viveu? (Minha bisavó, Perl Rochel, foi transportada para Auschwitz quando tinha mais de 80 anos, juntamente com alguns dos seus filhos e netos. Nenhum deles voltou). Mas talvez a minha angústia também estivesse relacionada com a total estranheza de todos sobre essas coisas.
Na escola onde eu lecionei pela primeira vez como professor Waldorf me pediram me juntar à companhia teatral dos “Três Reis” apenas um ano mais tarde. O diretor, alguém por quem eu tinha e ainda tenho o maior respeito, e que infelizmente morreu muito jovem, era um professor Waldorf da 'velha guarda', filho de um professor da primeira turma de professores de 1919. Ele sabia das minhas origens judaicas e pensou que eu poderia, por isso mesmo, ser capaz de trazer autenticidade àqueles gestos! Na época eu fiquei surpreso com essa ingenuidade alemã,
E ainda estou surpreso até hoje. Felizmente, os figurinos nesta escola eram bastante diferentes daqueles em Stuttgart - muito originais, os trajes dos sacerdotes eram estilizados, sem a menor semelhança com os da aldeia dos judeus da Europa Central e Leste. Notei também que para essas personagens o termo “sacerdotes” substituía gradualmente a designação “judeus”. Lembro-me de um colega a fazer a surpreendente pergunta em uma reunião do curso de formação - se, depois do que os alemães fizeram aos judeus, se alguém afinal de contas ainda deveria encenar esta peça. É só em retrospectiva que eu percebo que no início de 1970 o processo de trabalho através da história recente da Alemanha de fato só tinha começado. No entanto,u não aceitei o papel que me foi oferecido (mas aceitei outro papel no lugar).
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