terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Dezoito ou Dezenove Bênçãos? A Bircat haMinim
Uri Lam 
Há diversas orações que compõem o sidur, o livro judaico de orações, que muitos israelenses dizem que se os judeus que vivem fora de Israel - e que porventura não compreendam bem o hebraico - entendessem o que estão rezando, deixariam de rezar certas passagens.
Isso faz sentido em várias orações, mas na minha opinião, não é o caso da polêmica "Benção (contra) os "maldosos". Tanta polêmica que em muitas versões censuradas do Talmud (pelos que perseguiam os judeus) ela aparece como "Benção (contra) os Tsadukim (saduceus)", tradicionais adversários dos Prushim (fariseus) nos tempos talmúdicos, há cerca de 2 mil anos.
Mas é bem provável que esta oração tenha se dirigido à seita cristã que surgia no período ao redor da destruição do 2o Templo de Jerusalém. Hoje há um diálogo saudável e próspero entre lideranças do povo judeu e de diversos setores da religião cristã, que entendem que judaísmo e cristianismo têm crenças diferentes e os últimos não buscam mais, em boa parte (com raras e triste exceções) querer converter judeus ao cristianismo nem buscar convencer os judeus que é possível ser judeu e acreditar em Jesus como o Messias.
E não era esta a realidade nos tempos imediatamente posteriores à destruição do Templo Sagrado. para a então recém-criada seita cristã (que anos mais tarde se constituiria numa religião organizada), segundo o rabino Beniamin Lau (em seu livro "Chachamim"- Os Sábios, vol. 2, em hebraico), a destruição do Templo, centro da vida judaica de então, era um sinal mais do que claro de que o "povo de Israel terreno" havia sido abandonado por Deus graças aos seus pecados. E que deveriam espalhar as "boas novas"  de que uma "nova Israel" surgira, e Jesus era seu Messias.
Embora a maioria dos cristãos pós-Templo nada tenha a ver com o povo judeu - adotaram o cristianismo através do trabalho missionario de Paulo de Tarso entre diversos povos nos arredores - uma parcela bem menor de judeus havia adotado as novas crenças e tinha, segundo o rabino Lau, constrangiam e ameaçavam os valores judaicos preservados a duras penas pela geração de Iavne. Rabi Gamliel, com o intuito de deixar claro o quanto a presença daqueles não era bem vista nos novos centros de estudos e sinagogas, bem como para que os judeus não fossem confundidos com os Maaminê Ieshu haNotsri (os crentes em Jesus, o Nazareno) pelos romanos - era época também de perseguição romana aos cristãos, que só mais tarde se converteriam ao cristianismo, dando origem ao Catolicismo -  propôs a instituição de uma nova benção, a ser integrada às tradicionais Dezoito Bênçãos que formavam a principal oração judaica até então.
Conforme o rabino B. Lau, esta oração deixava bem claro a todos os que vinham às sinagogas - não para visitar, mas para converter judeus à nova crença - que para isso eles não eram bem vindos.
Dezoito bênçãos falam de agradecimento aos nossos antepassados, por terem nos legado uma tradição tão rica e bela, pedidos por saúde, prosperidade e paz. Mas como os rabinos não são bobos, a última benção acrescentada às demais dezoito da Amidá representa claramente que aqueles que nos querem mal - e querer nos fazer acreditar no que não acreditamos é nos fazer mal - não são bem vindos à nossa casa.
Bastante atual esta inclusão. Ainda hoje há aqueles que querem se passar por judeus  - e acham que estão nos fazendo um bem - para levar aos judeus uma mensagem que não é nossa. Para estes foi criada pelo modesto Shimon haKatan a Bircat HaMinim e só prá estes. Como diz o rabino B. Lau, continuam não sendo bem vindos.
abaixo uma tradução simplificada e informal da passagem do Talmud que conta um pouco desta historia. Quando tiver tempo, conto como um dos sábios abaixo, Rabi Eliezer, foi confundido com os "minim" (Maaminê Yeshu Hanotsri) e levado à "polícia" da época pelos romanos e de como ele escapou desta fria.
boa leitura! 

Talmud Bavli, Brachot 28b
versão informal e explicada: Uri Lam, fev. 2011
Eram os tempos da Mishná... (antes da destruição do 2o Templo)
Estavam reunidos, estudando juntos, um grupo de sábios. O tema do dia eram as Shemone Esre, as Dezoito Bênçãos, oração central dos serviços religiosos judaicos da semana.
No meio da conversa, Raban Gamliel afirmou: “Deve-se rezar as Shemone Esre todos os dias”. Mas como a cada dois judeus há três opiniões, entre os rabinos não poderia ser diferente. Logo veio Rabi Iehoshua e contestou: “Não! Basta uma versão abreviada, a Meêin Shemone Esre”.
Rabi Akiva sorriu para os colegas e contemporizou: “Bem, se ele tiver a reza na ponta da língua, que recite as Dezoito Bênçãos completas. Mas se não souber tudo bem, reza a versão abreviada, qual é o problema?”. 
Rabi Eliezer aproximou-se e disse: “Não sei não... desconfio de que se uma pessoa reza todos os dias a mesma coisa de modo fixo, suas preces perdem o sentido...”.
Rabi Iehoshua veio defender sua posição e a contextualizou: “Queridos amigos, vivemos tempos perigosos. muitos de nós já fomos assassinados. E se um judeu estiver passando por um lugar perigoso, o que deve fazer? Parar e rezar todas as Dezoito Bênçãos?! Correrá risco de vida! Basta que reze a versão abreviada e no final diga: ‘Eterno, salve o Teu povo, os remanescentes de Israel. Em toda situação pela qual passarem, que suas necessidades sejam atendidas por Ti. Bendito sejas Eterno, que escutas a tefilá.” (...)

Um bom tempo depois, na época da Guemará... (depois da destruição do 2o Templo)

Estavam reunidos, estudando juntos, um grupo de sábios. O tema do dia eram as Shemone Esre, as Dezoito Bênçãos, oração central dos serviços religiosos judaicos da semana. O tempo passa, e os judeus continuam estudando o que lhes foi legado por herança pelas gerações passadas, desde os tempos de Moisés no Sinai... não! Desde Avraham Avinu! Não, desde sempre! Bom, esta é outra discussão... mas vamos ao tema do dia:
Pergunta: A que correspondem as Dezoito Bênçãos?
Rabi Hilel, filho de Rabi Shmuel bar Nachmani, disse: “Pelo que aprendi, corresponde às dezoito menções ao Nome de Deus feitas pelo Rei David no Salmo 29 (Havu L’Ad-nai, benê elim)".
Rabi Iossef contestou: “Aprendi outra coisa, e me parece que a minha tradição é mais antiga do que a sua. Elas correspondem na verdade às dezoito menções ao Nome de Deus feitas na leitura do Shemá”.
Rabi Tanchum aproximou-se e comentou, daquilo que aprendeu com Rabi Iehoshua bar Levi: Amigos, quando rezamos, aprendemos que devemos rezar com todos os nossos ossos, lembram-se? Corresponde às dezoito vértebras da coluna espinhal". E ele continuou: "Quando formos rezar as Dezoito Bênçãos, devemos movimentar toda a coluna e nos abaixarmos até a última vértebra!" 
Ula disse: “Não precisa. Basta se curvar até a altura do coração, de modo que possa ver, por exemplo, uma pequena moeda no chão”.
Rabi Chanina foi mais longe: “Basta curvar a cabeça”.
E Raba arrematou: “Sim, mas só se não lhe causar dores”.

E são mesmo Dezoito Bênçãos?!

Rabi Levi disse: "Tem mais uma, a Bircat haMinim. Mas ela só foi instituída em Iavne, depois da destruição do 2º Templo, quando as perseguições romanas aumentaram e, como se isso não bastasse, passamos a ter entre nós gente que vem e tenta nos convencer de que agora vivemos um novo tempo, em que não é preciso mais fazer brit milá (circuncisão ritual), nem mitsvot (mandamentos religiosos), nem nada. Basta acreditar que o Mashiach já veio! Meus colegas, nestes tempos cruciais, a Bircat haMinim é parte integrante de nossas orações. Que Deus nos proteja - destes e daqueles!" 
Os outros se olharam e perguntaram: "Mas ela corresponde a que?"
Rabi Hilel, filho de Rabi Shmuel bar Nachmani, disse: “Corresponde a “El hacavod hir’im, do Salmo 29 do Rei David".
Os demais se olharam novamente e entenderam o recado. Hir'im, se lido de outro modo, soava como "haraím", os maus. A benção buscava proteger os judeus daqueles que, de um modo ou de outro, não os queriam bem, ou não os aceitavam como eram, com suas crenças e tradições já milenares.
Rav Iossef reforçou o sentido e afirmou: "Ela corresponde ao “Echad” (Um) da leitura do Shemá! Para deixar claro a quem entrar em nossas sinagogas e centros de estudos que para Israel, o Eterno é nosso Deus - e nosso Deus é Um só".
Rabi Tanchum relembrou e reforçou o que dissera antes, daquilo que aprendeu com Rabi Iehoshua ben Levi: “Corresponde a uma pequena vertebra no fim da espinha. Devemos nos abaixar até lá, até a última. E se doer? é para nos lembrarmos de que existem dores piores que não estamos dispostos a suportar".

Nossos sábios ensinaram que Shimon HaPaculi foi quem organizou as Dezoito Bênçãos originais, diante de Raban Gamliel, em Iavne.
Raban Gamliel perguntou aos sábios: “Não tem ninguém que possa compor a Bircat haMinim? Ela não deve ser uma benção vinda de outro lugar que não seja do coração. Não queremos mal aos outros, somente queremos distância daqueles que não nos querem bem. Quem se voluntaria?"
Shmuel HaKatan, o Pequeno, levantou-se e se voluntariou a compor a Bircat haMinim.
Conta-se que no ano seguinte ele a esqueceu e não a pronunciou. mas isto é uma outra história. 

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