Parashá da Semana: Tetsavê - Entre Nós: O Sagrado está na Relação
Uri Lam, para o boletim Congregar, da CIP
Rabi Chanina disse: “Virá o santo, e entrará no que é santo, irá se aproximar do que é santo, e expiará em favor de todos os santos”. (Midrash Raba: Tetsavê 38, 7)
Impressionante a capacidade de certos sábios de resumir uma parashá inteira em uma única oração. Mais impressionante ainda é a capacidade de atiçar a nossa curiosidade para a leitura da Torá desta semana. Afinal, do que Rabi Chanina está falando? Desde quando temos santos no povo judeu? Isso não é um tema judaico!, dirão alguns.
A questão da kedushá, da santidade, é parte integrante da vida judaica. Nós rezamos todos os dias na Amidá, a grande oração de nossos serviços religiosos, a inserção da Kedushá: “Cadosh, Cadosh, Cadosh, Ad-nai...” – Santo, Santo, Santo, o Eterno... (Isaías 6:3). Não é incomum escutarmos de certas pessoas que seu intuito pessoal é ter uma vida santa. Como se faz isso? Um grande amigo me disse uma vez que “os rabinos, quando escrevem seus comentários sobre a Torá, têm uma enorme capacidade de criar boas perguntas, mas em geral não têm boas respostas”.
Vejamos o que nos conta a Torá nesta semana. Deus diz a Moisés para que dê uma ordem aos israelitas: “Tragam o mais puro azeite para manter continuamente acesa a luz no Ohel Moed, a Tenda da Reunião.” Em seguida a nossa leitura se concentra nos cohanim, os sacerdotes. Quais devem ser suas vestimentas e ornamentos, como estes devem vesti-los, como devem se portar. Tudo parece centrado neles, como se coubesse apenas ao líder religioso a obrigação de levar uma vida inspirada pelo sagrado: “E as vestimentas de santidade de Aarão depois serão para seus filhos... e serão consagrados com elas” (Êxodo 29:29).
Em diversas tradições, o líder religioso é vestido e investido por sua comunidade de uma condição especial. Alguns o chamam de pastor, outros de homem de Deus, outros ainda de sábio, guru, mestre. Atribui-se a estes homens e mulheres uma espécie de poder mágico, a capacidade sobre-humana de intervir junto a Deus em favor dos demais. Também entre nós, no povo judeu, esta prática é largamente adotada.
Nesta hora surge Rabi Chanina e nos diz que ninguém é santo sozinho. O rabino da época do Talmud estende a condição do sagrado desde a terra até os céus: “Virá o santo – Aarão; e entrará no que é santo – o micdash, o espaço sagrado; irá se aproximar do que é santo – Deus; e expiará por todos os santos - Israel”. A condição do sagrado não é uma exclusividade do líder religioso. O sagrado é inclusivo, construído e instaurado na dinâmica das relações entre o indivíduo, o lugar em que vive, Deus, e sua comunidade.
No mesmo midrash conta-se que, ao observar o sacerdote em suas roupas no mais sagrado dos espaços e no mais sagrado dos dias, o Iom Kipur, Deus não se recorda dos próprios méritos, nem da santidade do local, tampouco dos méritos do sacerdote. Deus se recorda dos méritos das tribos, do povo.
Em seu comentário para a parashá Tetsavê, o livro do Zohar - que a tradição atribui a Shimon bar Iochai - praticamente não se refere aos cohanim. Entre suas diversas vozes, escutamos a de Rabi Itschac: “A luz do alto e a luz de baixo são uma só, e o seu nome é ‘Tu’” (Tetsavê, 1). O Zohar se antecipa por séculos à brilhante obra de Martin Buber, “Eu-Tu”, que estabelece que o sagrado não está em mim nem em você, mas no verdadeiro encontro entre nós, num instante e local precisos. O sagrado está na relação: “Morarei entre os filhos de Israel e serei para ele Deus (Êxodo 29:45).
A luz permanecerá acesa enquanto alimentarmos em nossas relações – entre a comunidade, lideranças religiosas, o espaço em que nos reunimos e Deus – o processo contínuo de construção e manutenção do sagrado.
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