Educação Judaica e Pedagogia Waldorf - será possível?
Esta é a pergunta que me fiz durante o curso de Educação Judaica em minha formação rabínica, motivado por uma observação do ex-ministro da educação de Israel Yossi Sarid, em uma palestra no HUC, de que a Pedagogia Waldorf poderia ser uma boa opção como parte do sistema educacional em Israel. Estou pesquisando o tema - não de forma totalmente abrangente nem conclusiva. Visitei uma escola Waldorf em Jerusalem, que me causou impressões as mais diversas. Meu olhar foi basicamente focado em educação judaica, e não em outra coisa.
O que encontrei? Uma escola na qual, naturalmente, todos falam hebraico, alunos e educadores são judeus. Consideram-se religiosos, não no sentido estrito do termo, mas no sentido o mais universal: a re-ligação com o Divino. O judaísmo permeia o ambiente, mas minha impressão é que não se destaca de outros aspectos. A expressão do judaísmo se dá por sua cultura, pelas histórias bíblicas, pela música israelense, que abrem espaço para a expressão dos alunos. As orações e ritos tradicionais, porém, estão à margem, e se podem ser sentidos, é como se fosse muito de leve. Falta mais clima judaico, para mim.
Não há como não ser uma escola judaica, por ser em Israel - esta foi a minha impressão inicial. Este é o meio onde estão situados, no coração de Jerusalem. Mas fiquei confuso: por um lado, achei lindo o modo como as crianças dialogam com os textos bíblicos, como se colocam no lugar das personagens bíblicas, como falam com Deus, o modo delicado como são alfabetizadas, conforme as bases da educação antroposófica. Por outro, há também a incômoda sensação de tudo vir de uma tradição importada, algo de fora, que envolve, mas não alimenta o judaísmo na alma.
As orações, conhecidas de cor por alunos e professores, são traduções de orações criadas por Rudolf Steiner, que fundou o movimento antroposófico e deu as bases para a educação Waldorf. Uma professora me disse que se deve desvinvular a antroposofia da educação waldorf, e que o que Steiner escreveu em um dado contexto deve ganhar nova conotação de acordo com a cultura na qual se está inserido. Isso seria a justificativa para se entender que em Israel, em uma população judaica, tais orações e práticas ganham conteúdo e espírito judaicos. Mas não sei - se eu não conhecesse a motivação religiosa e espiritual destas orações, diria que elas são universais e bastante atuais, em sintonia com aspirações e preocupações com a ecologia e com a harmonia entre o ser humano, o planeta em que vive e o mundo espiritual. Mas é difícil para mim desvencilhar certos simbolismos das orações de Steiner de uma origem cristã esotérica, em que o sol, por exemplo, representa mais do que simplesmente o sol, mas uma "energia crística" que nutriria o mundo. Os professores não me pareceram conscientes nem cientes das origens das orações que cantam, mas para mim me soou nada judaico e muito desconfortável. Como se algo subliminar de um espírito que não é judaico pudesse ser passado aos alunos, sem que se dessem conta. Numa filosofia que preza tanto a liberdade e a consciência, esta falta de consciência me parece cercear a liberdade de escolha, até da escolha de permanecer ou não judeu. Ao estarem em Israel, a escolha pelo judaísmo me parece a mais óbvia. Mas uma educação waldorf que se pretendesse judaica fora de Israel teria que incluir algo, digamos, mais judaico.
Por outro lado, a acusação de certos grupos fundamentalistas de que seria uma escola que oferece educação cristã a seus alunos me parece leviana. Se por um lado o espírito judaico não me parece devidamente alimentado - ou, numa metáfora, a alimentação está desbalanceada - por outro não vi em nenhum lugar algo que denotasse educação não judaica.
O que me parece garantir, portanto, que estas crianças estão sendo formadas a partir de um espírito judaico é o fato de viverem em Israel, terem outras influências em suas vidas além da formação escolar tão singular que recebem, e estarem permeadas, na própria escola, pelo hebraico, pelo espírito de solidariedade próprio do judaísmo, pelo amor ao próximo. os valores universais do judaísmo estão preservados. os valores particulares me pareceram deixados à margem. Estão lá - mas em muito menor intensidade.
Claro, esta é uma visão particular minha, e deve haver outros aspectos que não pude perceber em período tão curto de observação e leitura de algum material judaico em relação a uma educação Waldorf ao qual tive acesso.
Há outras escolas em Israel que utilizam parcialmente certos aspectos da educação Waldorf. por exemplo, em Modiin há um colégio de método "Tali" - criado pelo movimento conservador/masorti - cuja professora de artes trabalha segundo a Waldorf; mas no restante, a escola inspira nos alunos o espírito judaico, através de suas orações e símbolos tão familiares e dentro de uma visão judaica progressista e igualitária. Me parece uma combinação mais razoável. o que a formação Waldorf não oferece, é oferecido pelos rabinos e professores da escola Tali. Assim, vejo como possível, sim, que haja uma contribuição da pedagogia Waldorf para a educação judaica, mas não que venha a ser a única contribuição.
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