sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O Que Deus É – ou o que também não é - 3a Parte 
A visão de um professor Waldorf judeu
Samuel Ichmann 

Mas você não vai forçar isso garganta abaixo de todos, vai?
Sento-me em um restaurante não muito longe de uma capital da Europa Oriental, diante de um colega alemão muito conhecido por quem tenho em alta conta. Um projeto de formação para a educação Waldorf que está sendo executado aqui, no qual ambos somos professores, nos reuniu. A comida é excelente e aproveitamos a oportunidade para nos conhecermos melhor. A conversa é aberta e amigável. Contamos um ao outro sobre nossas vidas e experiências, e trocamos histórias pessoais. Em algum momento eu me “revelo” como judeu. Meu colega me olha um pouco hesitante e diz: “Mas você não vai forçar isso garganta abaixo de todos, vai?” Eu não sei o que responder. Será que ele quer dizer algo como “insistir em dizer para todos”? É isso o que eu acabei de fazer - descuidadamente, ou mesmo com a chutzpe (arrogância) judaica? Examino a mim mesmo. Não, eu não tenho a tendência de “constranger” as pessoas ao fazer com que me classifiquem imediatamente como judeu. Por outro lado, eu não tenho a menor inclinação de manter isso em segredo. Por que deveria? Judeus que mantêm silêncio sobre o seu judaísmo podem ter suas próprias razões pessoais (ou complexos), mas isso nunca foi algo que eu quis fazer. Eu sempre tive a oportunidade de informar aos meus colegas sobre esse aspecto das minhas origens, sempre me pareceu natural e sensato fazê-lo, como fiz nesta longa conversa naquela noite de um suave verão, longe da Alemanha.
Fico sem palavras, e meu colega à minha frente também não diz nada por um minuto, para então adicionar a seguinte pergunta: “Mas você é cristão, não é?” Isto é um tanto inesperado. O que ele quer dizer com isso? Ele sabe que, afinal de contas, sou um professor Waldorf dedicado, bem familiarizado há anos com as bases da Antroposofia. Estas são o meu pão de todo dia, se eu levo a sério a minha profissão. Como eu poderia levar uma cotovelada acerca dos motivos importantes da Cristologia? Eu havia terminado de contar para ele sobre o meu envolvimento no ensino de religião. Ou ele não me ouviu direito? Que resposta ele espera de mim? Devo lhe contar sobre as experiências íntimas que cada aluno no caminho espiritual deve cuidar para manter consigo mesmo? Eu hesitei por um momento bastante longo. Se eu não gosto de ficar quieto sobre o meu judaísmo, isso se aplica ainda mais sobre a minha convicção a respeito de Jesus de Nazaré como o Messias. Será que ele se refere a isso ao usar o termo “cristão”? Eu não sou um cristão no sentido tradicional: nunca deixei a comunidade judaica, na qual cresci, nem jamais me associei a uma igreja cristã. Mas ele, como professor Waldorf antropósofo certamente não se preocupa com isso, ou nem esperaria o contrário!
Eu respondo à sua pergunta com um pensativo “Sim”. Eu não preciso desestabilizá-lo, preciso? Mais tarde, no caminho para o meu alojamento, penso em tudo de novo e tenho sentimentos mistos. Talvez eu tivesse que tê-lo desestabilizado! Será que eu não teria demonstrado mais presença de espírito se respondesse com grande frase de Kierkegaard: “Não se pode ser um cristão, somente tornar-se um”?
Eu conto esta historia porque ela realça um profundo problema. Além de todos os rótulos preconceituosos, identificações, "ismos" e ideologias, o que as pessoas realmente sabem sobre a forma como os judeus veem o mundo? O que elas sabem do sentimento de oposição – que muitas vezes ressoa nos reinos subconscientes, sem palavras - a ter qualquer tipo de idolatria forçada em algo? Dos 150 anos de reserva sobre um cristianismo que, através de muitos dos seus representantes, bem como muitas das formas de culto e de doutrinas, assumiu não podia, e não pôde responder às necessidades dos judeus? Da força interior e do calor que obtém da espiritualidade de suas tradições? Da impossibilidade de se considerar como obsoletas, desnecessárias e redundantes as questões com o sentido mais íntimo, pessoal e profundo que foram bebidas, por assim dizer, no seio da própria mãe? Ah, porque uma vez que “Cristo apareceu” tudo isto aparentemente perdeu validade!
Eu realmente não quero mergulhar no debate teológico neste ponto, mas uma coisa é certa: os cristãos que ponderam sobre suas perspectivas e raízes são muito conscientes atualmente de que o judaísmo é minar suas próprias origens. Mas é essa mesma tradição equivocada de negação que remonta aos primeiros séculos da era pós-era cristã e se estende até o nosso próprio passado recente, que por vezes tem levado às concepções (equivocadas) das pessoas acerca da Antroposofia e da Pedagogia Waldorf. Porém isto repousa sobre a projeção do que eu acredito serem interpretações totalmente falsas sobre a  cristologia de Steiner, sobre a circulação contínua de preconceitos teológicos que foram pelo menos parcialmente superadas após a Segunda Guerra Mundial, embora não necessariamente em nossos círculos.

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