quarta-feira, 14 de abril de 2010

Preserve e Aprenda - Midrash baseado no livro de Devarim (Deuteronômio)
tradução: Uri Lam
Midrash Halachá - Sifrê (sobre Deuteronômio, Parashát Reê)
Shamor veshamata – preserve e escute (aprenda)
Se escutar um pouco, no final você escutará muito.
Se preservar um pouco, no final você preservará muito.
Se preservar o que escutar, no final você preservará o que ainda não escutou.
Ao preservar o que você tem, no final você preservará para o futuro vindouro.
Outra coisa: quem tiver o mérito de estudar Torá, este mérito é seu e de todas as suas gerações por todos os tempos.
Outra coisa:  “Preserve e escute” – todo aquele que não se dedicar aos estudos não terá como agir; "Estas palavras que Eu te ordeno” – que você tenha por uma mitsvá simples a mesma afeição que tem por uma mitsvá difícil (Talmud, Avot 2)
Você fará o que é bom e o que é correto
“O que é bom aos olhos de Deus e o que é correto aos olhos das pessoas” - palavras de Rabi Akiva.
Rabino Ishmael diz: “O que é correto aos olhos das pessoas e o que é bom aos olhos de Deus”. E ele continua: “E é considerado bom e bem compreendido, aos olhos de Deus e do ser humano” (Provérbios 3).

sexta-feira, 9 de abril de 2010


Torá, substantivo feminino
Uri Lam
Há poucos minutos recebi uma mensagem de Wendy Graff, diretora do WTP, Projeto Mulheres da Torá. Trata-se de um seleto grupo de mulheres do mundo inteiro que se dedica nos últimos anos a escrever um Sefer Torá. Entre elas há uma brasileira, Rachel Reichardt, da Comunidade Shalom, de São Paulo. Também fui informado há pouco pelo amigo Natan Freller que sua mãe, Elka Freller, também uma grande amiga e sócia, com toda a sua família, da Congregação Israelita Paulista (CIP), participa do projeto como artista - ver no link http://www.womenstorah.com/scribes_artists.html, o último nome à esquerda. Uma honra para a CIP e para o Brasil, que conta portanto com duas brasileiras no Projeto Women`s Torah.
Não preciso falar aqui das conquistas femininas em diversos campos da sociedade nos últimos 150 anos pelo menos e que se aceleram nas últimas décadas. Alguns homens, meio perdidos, tentam ainda preservar velhos hábitos e costumes, mas outros, ainda que com alguma dificuldade, resolveram conversar com as mulheres e com elas redimensionar o espaço de cada um em cada situação.
Mas um dos campos de maior dificuldade de inserção feminina ainda é o religioso. Outro dia uma amiga dos tempos de Colégio Renascença me escreveu: “Uri, você acha certo mulher colocar tefilin?” Independente da minha resposta, ela continuará, ao que parece, achando certo ou errado - provavelmente errado - de acordo com o modo como foi educada, como se tefilin fosse algo tão masculino como as calças - que diga-se de passagem, há tempos faz parte do vestuário feminino, com raras exceções. Talvez de nada adiante estimulá-la a estudar as fontes judaicas clássicas para perceber que não se trata de certo ou errado, mas de costumes e tradições. E vejam, falamos de costumes e tradições, não de um único costume e de uma única tradição. A única tradição judaica digna deste nome é debater diversas tradições. Este é o costume, que alguns tentam sufocar.
Todo judeu e judia aprende um dia na vida, em casa, na escola, na sinagoga, nos clubes judaicos ou nos livros, que a mulher é fundamental para a continuidade do povo judeu, pois é ela quem dá à luz a uma criança judia – literalmente a “produção independente”, pois se depende do homem para dar à luz, independe do homem para trazer ao mundo um ser humano judeu. Mesmo que no movimento reformista americano se considere judeu também quem é filho(a) apenas de um homem judeu (e mãe não judia) [o movimento reformista israelense continua a considerar isto uma prerrogativa exclusivamente da mulher], isto só ocorre sob condição de que este filho(a) seja educado em escola judaica, frequente a comunidade e, atualmente, estimula-se a mãe não judia a participar junto e a converter-se ao judaísmo - o filho de uma mãe judia é considerado judeu, sem pré-condições. Mas tamanha importância ainda não se reverte no reconhecimento por alguns do direito pleno das mulheres vivenciarem sua religiosidade comunitária. Esta resistência não é somente de homens, mas também de muitas mulheres, inclusive não praticantes. Por que este receio?
Como homem, sei e sinto o fascínio e perplexidade que as mulheres causam em nós. Também a Torá nos causa fascínio e perplexidade. Suas belas histórias, suas personagens multifacetadas tanto nos preenchem de belos valores éticos quanto escancaram o lado sombrio que há em todos nós. No entanto, tanto a Torá como as mulheres trazem dentro de si o sod, o mistério que os homens nunca poderão desvendar, por mais que se esforcem.
Os homens criaram muitas justificativas para desencorajar e impedir as mulheres de realizarem uma circuncisão, colocarem Talit e Tefilin, lerem na Torá, participarem de um minián, dirigirem uma cerimônia judaica de casamento.
Vejamos então: Tsipora, mulher de Moisés, circuncidou o próprio filho (Êxodo 4:25). Em nenhum lugar do Talmud se afirma que as mulheres estão proibidas de colocar Talit ou Tefilin – não falo da Torá pois os homens não usavam talit, tefilin nem kipá na Torá; foram apetrechos criados posteriormente, comprovando mais uma vez como o judaísmo se desenvolve de modo progressivo. Seja como for, segundo as fontes judaicas as mulheres estão isentas das obrigações religiosas com horários fixos, que poderiam entrar em conflito com seus compromissos domésticos – e hoje em dia, podemos falar de compromissos domésticos exclusivamente femininos? Em caso negativo, o outro lado da moeda também é verdadeiro: não podemos mais falar em horários fixos de cumprimento de mitsvot como uma prerrogativa exclusivamente masculina.
O Talmud (Menachot 43a) nos conta que a mulher de Rabi Yehuda Hanassí, ninguém menos que o compilador da Mishná, no século 2, colocava tsitsit sob o avental. Ainda no Talmud (Eruvin 96) conta-se que Michal, filha do rei Saul, usava Tefilin, há mais de 3 mil anos – embora isso me pareça mais uma metáfora talmúdica que reforça o quanto não há proibições de mitsvot com horário fixo às mulheres desde os tempos bíblicos. Esta prática somente foi “desaconselhada” a partir do século 16, cerca de 500 anos atrás. Ou seja, talvez por pelo menos 2 mil anos o judaísmo foi igualitário e certas recomendações rituais às mulheres foram sendo criadas para garantir seu bem estar diário, aumentando seus direitos e não diminuindo, de acordo com a época em que se vivia. Mas todos sabemos que o que funciona em determinado momento pode não ser adequado para outro. Assim foi que certos favorecimentos à mulher acabaram por se tornar amarras e proibições, segundo alguns manuais religiosos medievais.
Com a Idade Média deixada para trás e o início da era moderna e contemporânea, desde o século 18 muitas “proibições” relativas às mulheres passaram a ser rediscutidas. Um ícone é a jovem Yentl, a clássica personagem de Barbra Streisand no cinema que começa estudando nossas fontes clássicas com o pai dentro de casa, de cortinas fechadas, e chega ao extremo de se vestir de homem para poder estudar numa Yeshivá, tal era o anseio de sua alma por se conectar com a sabedoria de seu povo.
Em vez de criarem-se novas práticas, o que vem ocorrendo progressivamente, de fato, é o resgate de antigas práticas. Hoje a cerimônia de Bat-Mitsvá é uma realidade estabelecida em todos os movimentos judaicos, ainda que com variações importantes e raras exceções. A leitura da Torá por mulheres — antes “proibida” — vem avançando e já é fato estabelecido há decadas em quase todas as instituições judaicas reformistas e conservadoras ao redor do mundo,  às quais nos últimos 20 anos se somam comunidades ortodoxas, como as  ortodoxas modernas Iedidia e Shirá Chadashá, em Jerusalém. Hoje em dia milhares de mulheres já leem diretamente do Sefer Torá todas as semanas, em centenas de sinagogas no mundo inteiro. Mulheres publicam livros com comentários da Torá, mulheres hoje até escrevem Sifrê Torá, figuras como Neshama Lejbowitz são extremamente respeitadas e surgem novas autoras, como Iochi Brandes, jovem autora israelense de obras de temática bíblica em Israel cujos livros somem das prateleiras das livrarias israelenses assim que são lançados – não, não são proibidos, mas vão para as mãos de leitores ávidos de conhecer uma perspectiva feminina sobre nossas tradições. Leitores de todo tipo, de ortodoxos a seculares. 
As mudanças na sociedade judaica, que presenciamos hoje, não acontecem do dia para a noite, mas devagar, progressivamente. Parece ser este o modo feminino de estabelecer mudanças: que seja devagar para se estabelecer, mas que se estabeleça de verdade e com firmeza. Assim ocorre uma vez por mês em Jerusalém, há 21 anos, no nascimento da lua, no início do mês judaico, quando dezenas de mulheres do grupo Mulheres do Kotel se reúnem junto ao Muro Ocidental para rezarem juntas e lerem na Torá. Há quem jogue cadeiras plásticas sobre elas, há quem xingue e amaldiçoe desde o lado esquerdo da mechitsá que separa homens de mulheres e faz do Kotel na prática uma sinagoga ortodoxa - mas enfim, elas continuam e provocam uma discussão mundial sobre o papel religioso da mulher no judaísmo e sobre o lugar de Jerusalem no coração e nas práticas de todos os judeus, e não apenas de uma parte deles nem apenas sob a jurisdição de um núcleo religioso.
Vejo que mesmo alguns homens que compreendem este velho-novo papel das mulheres na sociedade ainda querem, eles mesmos, estabelecer a dimensão do novo modelo de relações e a velocidade em que este deve ser instalado. Isto só demonstra a nossa ainda incapacidade de compreender os mistérios mais profundos das mulheres. Demonstra o quanto ainda não aprendemos a nos elevar para escutá-las, em vez de nos curvarmos sobre elas para repreendê-las e restringi-las.
Todas as semanas, a Torá nos desafia, a cada estudo da porção semanal, com novos mistérios e novas formas de leitura. Também gostaríamos de lê-la e compreendê-la mais rapidamente; deveríamos nos erguer, subir à Torá para escutá-la com cuidado, pois a absorção dos valores da Torá acontece devagar, dia a dia, ano após ano, a vida inteira.
Pode ser que um dos temores de alguns homens esteja no encontro entre a mulher e a Torá. A Torá e a mulher são Torat Chaim, a fonte da vida, a base fundamental de onde nascem as flores e frutos da vida judaica. Ao se encontrarem, as duas podem se dar tão bem e se reconhecerem tanto uma na outra, que nos deixem de fora deste diálogo... será este o medo?
Uma crítica à ordenação rabínica de mulheres – entre as quais há hoje rabinas ortodoxas que se unem às suas colegas reformistas, reconstrucionistas e conservadoras – é que logo haverá mais mulheres que homens exercendo funções rabínicas, o que afastará os homens deste papel, como já ocorreria em comunidades nas quais as mulheres contam para o minián e leem da Torá, em muitas das quais as mulheres já são maioria. Mas então, meu caro Moishale, o problema não está nas mulheres; elas têm compromisso, quando ela diz que irá à sinagoga ela irá - e você?
Felizes daqueles que já partilharam do prazer de ver uma mulher dirigir um estudo de Torá, ler da Torá, dirigir um serviço religioso e cantar Col Nidrê na abertura de Iom Kipur, porque descobrem que suas vozes nos elevam, não nos enfeitiçam. A voz da mulher não expõe a nudez do corpo, mas a nudez da alma.
Felizes daqueles que escutam as vozes de Sara, Rivka, Lea, Rachel, da parteiras que permitiram o nascimento de Moisés, de Neshama Leibowitz, Iochi Brandes e Ruchama Weiss, entre tantas outras de todos os tempos. Felizes daqueles que acompanham as iniciativas das mulheres para rezar, seja no Kotel ou no campo, que recebe todas as semanas há 5 anos os e-mails da Angelina com comentários da Torá como preparação para os estudos todas as segundas-feiras na CIP, que escutam o que tem a dizer a Rachel Reinhardt ou a rabina Luciana na Comunidade Shalom ou o trabalho da rabina Judith com pessoas portadoras de deficiência em Israel, e por aí vai.
A nós homens, cabe estarmos juntos, estimularmos, participarmos, estarmos juntos e à altura. A dedicação das mulheres no estudo e na prática dos valores judaicos deve nos provocar positivamente a uma dedicação maior também da nossa parte. Deste modo demonstraremos a nossa capacidade de amar tanto a Torá quanto as mulheres, e a nossa disposição em aprender a conviver com o mistério que se guarda dentro delas.
Shabat Shalom

terça-feira, 6 de abril de 2010

A Contagem do Omer - 2a Semana
Comissão Temática do Movimento para o Judaísmo Progressista
MaRaM (Conselho dos Rabinos Progressistas) de Israel.
Coordenação: Rabino Iehoiadá Amir e Naama Dafni-Kelen
tradução: Uri Lam
E contarão para vocês do dia seguinte ao dia festivo... sete semanas completas serão. Até o dia seguinte da sétima semana contarão 50 dias. (Lev. 23:15-16)

2a Semana - Din (Guevurá)
A Sefirá "Din" (Julgamento) coloca-se no paralelo oposto à de Chessed (Bondade). Espera-se que o Julgamento expresse a Soberania do Criador em Seu Mundo, mas este também abre uma porta para a "sentença pesada" - o mal, a destruição e a contaminação. A Sefirá Din também é chamada de Sefirá Guevurá (que pode ter diversas interpretações: Heroísmo, Poder, Força Masculina [de guéver, homem], etc - nota do trad.)
Nesta semana, quando no 13o dia do Omer lembramos Iom Hashoá VehaGuevurá, o Dia do Holocausto e do Heroísmo, refletimos sobre a coragem do apego à vida; a coragem daqueles que gritaram contra a perda da crença na vida, no ser humano e em Deus; a coragem daquelas que persistiram em retornar e construir, em voltar e reviver os ossos secos.
O Grito do Silêncio
Um conhecido Midrash do Talmud (Menachot 29b) conta sobre Moshé, que na hora de receber a Torá, foi levado até o Beit Midrash (centro de estudos) de Rabi Akiva. Moshé ficou impressionado com a sabedoria  brilhante de Rabi Akiva.
[Moshé] Disse diante Dele: "Soberano do Universo, mostre-me a Torá dele e me mostre a sua recompensa".
Disse-lhe [Deus]: "Vire-se para trás".
[Moshé] Voltou-se para trás e viu que batiam no seu corpo a pauladas.
[Moshé] Disse diante Dele: "Soberano do Universo, esta é a Torá ou esta é a recompensa?"
Disse-lhe [Deus]: "Silêncio! Foi assim que considerei que deveria ser."
Sobre a forte pergunta/chamada de Moshé, em outras palavras, "Será que não há sentença ou será que não há juiz?", aquele que escreveu o midrash não teria para colocar na boca de Deus outra resposta que não "Foi assim que considerei que deveria ser". Foi escolha do midrashista descrever deste modo as palavras de Moshé, e Deus ele faz o pleno oposto da ordem que coloca na boca de Deus. Não há silêncio, pois permanece a questão da crença em sua situação mais pesada.
O que fez Moshé? Será que ficou quieto ou será que continuou a levar seus questionamentos aos Céus? Qual foi para ele o sentido de receber a Torá depois desta conversa tão desorientadora? Não sabemos. Talvez tenha sido o objetivo do autor do midrash que o grito de Moshé e a resposta-não-reposta de Deus repercutissem em nossos ouvidos. Ele não quer mais do que isso, e talvez nem possa mais do que isso.
Uma testemunha diferente
Dan Feguis
Tu és o primeiro e Tu permanecerás o último,
Porque virá de Ti a sentença de julgamento em julgamento,
de sangue a sangue.
Escute o meu coração pesado no julgamento, olhe nos meus olhos.
Os que compartilham da Sua atividade, [os anjos] Michael e Gabriel
Levantam-se e reconhecem
Quando Tu disseste: Façamos o Homem,
Eles disseram Amen.
A Contagem do Omer - 1a Semana
Comissão Temática do Movimento para o Judaísmo Progressista
MaRaM (Conselho dos Rabinos Progressistas) de Israel.
Coordenação: Rabino Iehoiadá Amir e Naama Dafni-Kelen
tradução: Uri Lam
E contarão para vocês do dia seguinte ao dia festivo... sete semanas completas serão. Até o dia seguinte da sétima semana contarão 50 dias. (Lev. 23:15-16)
A contagem do Omer é feita entre Pessach e Shavuot, da Liberdade à Torá, da primavera ao verão. A contagem das semanas estabelecem a medida sagrada do tempo.
A tradição cabalista unificou cada uma das sete semanas a cada uma das "Sefirot": Chessed, Din (Guevurá), Tiferet, Netsach, Hod, Iessod, Malchut. Desta forma esta tradição simbolizou a conexão entre a plenitude da ação humana à profundidade do espaço Divino.
Por conta desta tradição, optamos por abrir nossos corações a cada semana a um ponto de vista que nos é dado pela relação entre uma Sefirá e a semana correspondente. Com isso levamos o mundo do que acreditamos e o sentimento que cada Sefirá desperta em nós, conforme as estruturas que a elas se relacionam de acordo com o mundo espiritual da tradição cabalista.
Primeira Semana - Chessed (Bondade)
Na leitura da Torá do Shabat de Chol Hamoed Pessach, Moshé, quando Deus se revela a ele, diz: "Eterno Eterno, Deus Misericordioso e Piedoso, que demora em irar-se e é pleno de bondade (Chessed) e verdade". Assim, Moshé conecta a bondade abundante à exigência da verdade. O povo que saiu do Egito alcançará a liberdade somente se souber caminhar pelo caminho da verdade e da justiça legal, e ao mesmo tempo transmitir a mensagem da prática da bondade e da justiça social.
Aquele que faz tsedacá e mishpat (justiça ao próximo e sentença da lei)
Rabi Eliezer disse: Todo aquele que faz tsedacá e mishpat, é como se preenchesse o mundo inteiro de chéssed (bondade), conforme está escrito: "Ele ama a justiça ao próximo e a sentença da lei - a bondade de Deus preenche o mundo". (Salmos 33:5)
Aquela que estuda a Torat Chéssed (a Lei da Bondade)
Rabi Eliezer disse: Qual é o sentido da passagem "Sua boca abriu em sabedoria, e Torat Chéssed (a Lei da Bondade) estava em seus lábios" (Provérbios 31:26)? Então haveria uma lei da bondade e uma lei que não é da bondade? Em vez disso: A Torá por si mesma, esta é a Torá da Bondade; e se não é por si mesma, esta é a Torá que não é da bondade.
Aqueles que ensinam Torá
Há quem diga: A Torá para ser ensinada, esta é a Torá da Bondade; se não for para ser ensinada, esta é a Torá que não é da bondade.
Talmud Bavli, Sucá 49b

Famílias de um centro de educação para cegos em Jerusalém
Erez Biton
E nós, crianças do centro de educação para cegos em Jerusalém
Nos aproximamos sete crianças de outra criança
E dizemos a ele: Seja nosso pai.
E dizemos a ela: Seja nossa mãe.
E o corpo de uma criança encontra o corpo de outra criança
para nos aquecermos. Um instante de encontros.
E criamos famílias e famílias
E chamamos a um menino de Aba Shalom (papai Shalom)
E chamamos a uma menina de Ima Shoshana (mamãe Shoshana)
E a outra menina eu gostaria de chamar de minha irmã, minha irmã Rachel
E a outro menino eu gostaria de chamar de meu irmão, meu irmão Iossi
E assim fazemos de conta que somos uma família.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Lashir BeNefesh 4 - Alma em Canto
Excelente novidade. O encontro Lashir BeNefesh (Cantar com a Alma) chega à sua 4a edição, e agora sai do eixo Rio- São Paulo para chegar a Porto Alegre no final do próximo mês de junho.
Trata-se de evento que reúne chazanim e chazaniot, interessados e interessadas no canto litúrgico judaico e que nesta edição trará palestrantes e participantes renomados para troca de experiências e capacitação dos participantes.
O encontro terá palestras e workshops relacionados, entre outros, a canto, consciência corporal e liturgia judaica.
Porto Alegre foi escolhida em comemoração dos 75 anos da querida SIBRA - Sociedade Israelita Brasileira, que tem há muitos anos por líder religioso o amigo e futuro rabino Guershon Kwasniewski.
Kol hakavod a todos os participantes do Lashir BeNefesh, que ocupam uma lacuna importante na formação de novos cantores religiosos judeus e nos ajudam a tornar os serviços religiosos em nossas sinagogas mais significativos, criativos e belos, com espírito judaico fortalecido e renovado.
Lashir Benefesh
Nascido em julho de 2008 a partir de um sonho do shaliach tsibur Philipe Manuard, o primeiro encontro ocorreu na sede da ARI (Associação Religiosa Israelita do RJ) durante o encontro latino americano da WUPJ (World Union for Progressive Judaism) na capital carioca. O segundo encontro ocorreu em março de 2009 na CIP (Congregação Israelita Paulista) em Sampa. O terceiro foi em setembro de 2009 novamente na ARI, e agora, em junho de 2010, será na SIBRA, em Porto Alegre tche. Quem sabe chegou a hora do chimarrão antes da cantoria? Bah Tche!
A delicada diferença entre Pessach e Páscoa
Nestes dias de Pessach e de Páscoa cristã acompanhamos alguns fatos constrangedores. Pressionado pela divulgação de escândalos de pedofilia nas últimas semanas, o frei Raniero Cantalamessa, uma grande liderança da Igreja Católica, em seu discurso diante do Papa e diante do mundo inteiro, comparou o ataque à igreja por conta dos casos de religiosos pedófilos à perseguição antisemita aos judeus - e colocou isso na boca de um "amigo judeu", que lhe teria escrito justamente isso. Tudo em plena Sexta Feira da Paixão.  A declaração causou protestos pesados por parte não apenas de lideranças judaicas, mas também de famílias e organizações que combatem a impunidade aos padres pedófilos, fazendo com que o frei Cantalamessa se desculpasse poucos dias depois.
Talvez tenha ficado muito claro o quanto cristãos e judeus veem o mundo de ângulos diferentes, ainda que seja o mesmo mundo. Talvez Cantalamessa não tenha ideia do que seja, na pele, o antissemitismo. Se alguem foi atingido, violado, ferido violentamente, em algo que se compare às mortes causadas pelo antissemitismo em todos os tempos, estes foram as crianças violadas e suas famílias. Talvez Cantalamessa tenha se referido à condenação de todos os catolicos pro conta de alguns padres pedófilos - como se os crimes nazistas ou da Inquisição ou dos pogroms russos fossem uma punição a todos os judeus por conta de alguns judeus maldosos. Comparação infeliz, grotesca. Ele não feriu a sensibilidade do povo judeu, mas feriu a lógica e o bom senso humano.



Uma relação delicada
O diálogo judaico-cristão tem muitas historias de sucesso nos últimos anos, em particular com a Igreja Católica. Há mais de 40 anos atua um forum do diálogo cristão judaico no Brasil, com participação de padres, freiras e lideranças laicas católicas, bem como de rabinos e lideranças laicas judias, com bons frutos de convivência e respeito mútuo.
No entanto, talvez por falta de informação, algumas lideranças judaicas acabam se encontrando com lideranças cristãs interessadíssimas em fazer com que os judeus, esta gente teimosa, finalmente aceitem Jesus como seu Messias. Encontram-se com gente que pretende transformar o diálogo judaico-cristão em monólogo em nome de Jesus (estrategicamente chamado por eles em hebraico de Yeshua).

Há alguns anos, e provavelmente repete-se ainda hoje, um ex-membro da Knesset, o parlamento israelense, encontrou-se com líderes de grupos cristãos messiânicos que se identificam por nomes como judeus messiânicos, judeus por jesus, e por aí vai. Nos EUA, o berço dos movimentos messiânicos.
O encontro ocorreu em meio a outro, entre judeus e grupos cristãos protestantes/evangélicos pró-Israel nos Estados Unidos. A questão de termos amigos cristãos que defendam o Estado de Israel é vista com bons olhos e alegria. A questão é se no meio de gente bem intencionada, não há também grupos que veem nestes encontros um modo de tentarem se legitimar como "judeus em cristo", posando ao lado de lideranças judaicas que mal sabem com quem estão lidando, e assim abrir caminho para sua obra missionária de conversão de judeus, passsando a ideia de que é possível ser judeu e acreditar em Jesus como Messias, como se não houvesse nenhuma contradição inerente.
Foi o caso, provavelmente, do ex-parlamentar do Partido dos Aposentados Elhanan Glazer. Em 2008 participou, junto com outras lideranças judaicas, de um encontro nos EUA com grupos cristãos pró-Israel. Entre os convidados estava também o rabino Tovia Singer, notório defensor do povo judeu contra o assédio messiânico. Ao saber, porém, que no mesmo encontro falariam lideranças messiânicas, o rabino Singer, bem como o rabino Beny Elon, se recusaram a participar do evento e cancelaram a vinda ao encontro. Elhanan Glazer permaneceu.
Alguns grupos evangélicos de "judeus por jesus" têm se sentido mais confiantes para tentar espalhar o evangelho entre judeus quando contam, provavelmente de modo incauto, com visitas de parlamentares como as do senhor Elhanan Glazer - que é bom enfatizar, esteve no parlamento anterior, mas não conseguiu se reeleger e não é parlamentar da Knesset. Hoje Elhanan deixou o Partido dos Aposentados e tentou se eleger pelo partido de extrema-direita Tzomet nas últimas eleições, mas não obteve sucesso. Improvável imaginar que um judeu se considerasse admirador de uma pessoa que, ainda que por desinformação ou falta de tato, apoie grupos que pretendem fazer de nós algo que não somos.

Diálogo Judaico-Cristão sim. Monólogo, judeu-cristão, não
O tom da convivência pacífica entre judeus e cristãos deve se dar pelo diálogo, conhecimento mútuo, atividades de solidariedade e ajuda ao próximo. Mas que esteja sempre claro o que os une e os que os diferencia. Acreditar no amor ao próximo, em Deus, permite o diálogo e a atuação conjunta. Mas o afã de buscar nos fazer acreditar em Jesus como divindade ou Messias nos afasta. Mantenhamos, pois, o diálogo com quem quer o nosso bem do jeito que somos, e não "o nosso bem" ao se dedicarem a nos fazer um povo cristão. Nada contra os valores cristãos, mas como judeus, nosso destino, nossas práticas e crenças são outras.
Que continuemos nós, judeus, a celebrar sempre a nossa liberdade de sermos quem somos, a comemorarmos em Pessach a libertação do Egito, da escravidão, e que possamos seguir o nosso caminho em busca da Terra Prometida.
E que os cristãos continuem a comemorar a sua Páscoa celebrando a morte e renascimento de Jesus.
Sétimo dia de Pessach – dia de nos alegramos com nossa salvação, não com a derrota dos inimigos
Uri Lam, baseado no estudo do Rabino Shlomo Fox, HUC  
O que vem nos ensinar a evidência de que o mandamento de considerar o sétimo dia de Pessach como Chag foi dado antes do Êxodo do Egito?
Êxodo 12:14-17
E este dia vos será por memória, e vocês o celebrarão como Chag para o Eterno por suas gerações, celebrarão por estatuto perpétuo. Vocês comerão matsot por sete dias. Assim, no primeiro dia vocês removerão o fermento das suas casas, porque todo aquele que comer chamets, esta alma (pessoa) será cortada de Israel do primeiro ao sétimo dia. E no primeiro dia haverá mikrá kódesh (convocação sagrada); e no sétimo dia haverá mikrá kódesh; nenhuma obra se fará neles, apenas o que for consumido por cada alma, somente isso farão para vocês. Preservem (Chag) Hamatsot, porque basicamente neste dia tirei seus exércitos da terra do Egito; então vocês preservarão este dia por suas gerações por estatuto perpétuo.
  
Por que nos foram ordenados dois dias de chag antes do Êxodo?
Segundo o Midrash, sabemos que no sétimo dia de Pessach iniciou a abertura do Mar Vermelho e, assim sendo, somente depois de ocorrido o evento é que poderíamos nos referir a ele – mas nos versículos acima fica claro que o mandamento ocorreu antes do evento.
E eis que os egípcios foram afogados no Mar Vermelho no sétimo dia de Pessach (Talmud Bavli, Sotá 12). Porém como foi dito que também o sétimo dia é mikrá kódesh, poderia se imaginar que Deus ordenou que nos alegrássemos com a derrota dos inimigos.
Vejamos a interpretação que consta no Talmud (Meguilá 10b): “E não lutarão uns contra os outros”, pois O Sagrado bendito Seja não fica feliz com a queda dos malvados.
Portanto, foi dito na terra do Egito que se faria Chag no sétimo dia para ensinar que a festividade, que lhes foi ordenada antes que os egípcios se afogassem no mar, não comemora a queda dos egípcios.
Essa explicação é coerente com a prática de mergulhar o dedo em um copo de vinho enquanto se pronunciam as dez pragas do Egito e de retirar gotas de vinho com o dedo ao escutá-las, para que o copo não esteja cheio e se reconheça a dor das outras pessoas.

Talmud Bavli, Meguilá 10b
Rabi Iehoshua ben Levi fez uma introdução à seguinte passagem da Torá (Deut. 28:63): “E será que, assim como o Eterno tinha prazer com vocês para lhes fazer o bem e os multiplicar, do mesmo modo o Eterno terá prazer em os perder e destruir; e vocês serão arrancados da terra na qual vocês vêm para possuí-la”.
Será unilateral a alegria do Sagrado Bendito Seja com a queda dos malvados? Eis que está escrito (2 Crônicas 20:21): “...no êxodo diante do exército, e dizerem: Hodu L’Adonai ki leolam chasdô (Agradeçam ao Eterno, porque sua benignidade é para sempre)”.
Rashi explica esta passagem do livro de Crônicas, que foi ao sairem para lutar com os povos de Amon e Guivon que vieram contra.
Rabi Yochanan perguntou: “Por que não foi dito [Agradeçam ao Eterno] que é bom [porque sua benignidade é para sempre]”?
Rashi acrescenta: “Em outras palavras: é bom que não fizeram ironias sobre isso” – quer dizer, o Sagrado Bendito Seja não poderia se alegrar com a queda dos inimigos.
Rabi Yochanan disse: “Onde está escrito? (Êxodo 14:20): "ולא קרב זה אל זה כל הלילה"
 “e não lutou um contra o outro durante toda a noite”.
Aos anjos é proibido cantar – os seres humanos não podem ajudar, mas cabe a nós recordar que a alegria deve ser sobre o nosso resgate e jamais seja sobre aqueles que pagam o preço pelos erros de seus líderes.