quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Sobre mosquitos, beija-flores, corvos, velhas caixas acústicas e música iam tichonit - mas pode chamar de sertaneja
O novo apartamento, mais afastado do centro da cidade, tem algo de cidade pequena. A região é mais aberta, há mais silêncio, a vida anda mais tranquila. Mas esta vida do tipo "eu quero uma casa no campo" (é puro exagero meu, não é tão assim) traz consigo outras características quase rurais: os mosquitos. Não são muitos, mas são chatos. Talvez não sejam muitos ainda, por estarmos entrando no inverno. Mas talvez marquem presença por eu ter no jardinzinho em frente de casa algumas plantas e um limoeiro, não sei.
Agora é bem verdade, além destes mosquitos que adoram uma orelha (a zumbizar, como diria Raul Seixas), há também os beija-flores. Um apareceu agora mesmo, pousou sobre o limoeiro, assobiou um pouco e foi embora. É o suficiente prá deixar qualquer um de bom humor.
O que tem muito são alguns pássaros negros, grandes, eu diria típicos por aqui, parecem viver encapotados: são os corvos, mas parecem gralhas. Porque gralham (ou "corvam") de manhã e no final da tarde e no início da noite, todo dia - inclusive em Shabatot e chaguim... Para estes Deus que não ordenou um dia de descanso - o que vem a comprovar que nem todo corvo é judeu.
No final da tarde eles dão um espetáculo à parte. Um chama o outro, começam a se juntar no topo das árvores e de alguns dos prédios do bairro e com grande estardalhaço, se viram uns para os outros e gralham (ou "corvam") a uma só voz. Qualquer semelhança não é mera coincidência. Eles me lembram às vezes da descrição do texto da Kedushá da Amidá, durante a Tefilá, quando os "seres sagrados", com grande estardalhaço, se viram uns para os outros e proclamam a uma só voz: Kadosh, Kadosh, Kadosh... Não é exatamente este o som dos corvos, daí que se pode deduzir sem muita chance de errar que não são seres sagrados, tampouco que anunciam o sagrado de Deus preenchendo o mundo inteiro. Seja como for, o som que fazem também preenche o nosso mundinho inteiro, por alguns minutos. Acho que tem corvo que acha que faz parte do exército de Deus - e como gostam de fazer barulho.
E se for numa sexta feira então? o canto dos corvos se cruza com as chamadas dos muçulmanos para a reza e com as caixas de som do Beit Chabad, abafadas, ligadas ao máximo (ainda bem que este máximo não é o máximo, o aparelho de som deve ser antigão) da pequena sede a 100 metros de casa, com a indefectível (como diria meu pai) foto do Rebe, onipresente, pelo menos diante da casinha. Do outro lado, em um centro comunitário, se o dia estiver bonito os homens se reúnem para rezar a minchá na frente do edifício, e não dentro dele.
Sinfonia de pardais aonde canta A Majestade o Sabiá - certo, Jair, Xitão e Chororó?
(abre parênteses: do jeito que as duplas caipiras no Brasil chegaram ao topo do sucesso e passaram a se chamar "duplas sertanejas" e algumas dizem fazer "música de raiz", aqui em Israel a música um dia conhecida como de tachaná mercazit, por tocarem o tempo inteiro na estação rodoviária, hoje chegou ao topo do sucesso, lota ginásios e anfiteatros gigantescos. Seus cantores de cabelos exageradamente loiros ou ruivos, roupas justas e chamativas, meio country meio árabes, arrancam gritos histéricos dos e das fãs. Ah, foi rebatizada de musica iam tichonit (música mediterrânea...) e batizada de "a voz popular sefaradi" (!) em contraposição às canções ocidentalizadas, baladas rock-pop ou de protesto, tidas como "da elite intelectual ashkenazi" (!!!). Estereótipos caricatos à parte - de parte a parte - os "cantores sertanejos" daqui usam os mesmos trejeitos, os mesmos cantos exagerados, as mesmas histórias de traição e de  amor rasgado - é o sertanejo made in Israel, e no auge da popularidade, dos discos duplos de platina, da exposição externa da riqueza conquistada como fruto do sucesso. Fecha parênteses)
Faz um dia lindo hoje em Jerusalém, sem uma nuvem no céu. Só corvos, mosquitos (alguns perdidos) e beija-flores. E eu aproveito um pouco do sol que neste instante bate sobre mim e sobre minha mesa, e sobre a tela do computador também - quase não dá para enxergar o que se escreve - para escrever a drashá que apresentarei na tefilá do seminário rabínico na próxima semana.

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