quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Uri perguntou: "Iossef, o que você tem a ver com conversões ao judaísmo?"
E Iossef respondeu: "Tradition"!
Uri Lam - comentário pessoal ao Midrash Bereshit Rabá 84:4 (Parashát Vaieshev)
"E sentou-se Iaacov na terra dos moradores de seus pais..." (Bereshit 37:1)
"E sentou-se Iaacov na terra dos convertidos de seus pais..." (Bereshit Raba 84:4) 
Os rabinos dos tempos do Talmud deviam achar a questão das conversões tão importante em sua época (entre os séculos 2 e 5 da era comum, cuja origem como tradição oral é provavelmente vários séculos anterior) que deram um jeitinho de enxergá-la logo no primeiro versículo da parashá Vaieshev, cujo tema principal é a vida de Iossef.
Eles podem ter quebrado a cabeça pensando: Por que este primeiro versículo não encerrou a parashá anterior, Vaishlach, colocando o destino de Iaacov junto ao de seu irmão Essav? E por que a parashá, que é sobre Iossef, não começou no segundo versículo: "Estas são as gerações de Iaacov: Iossef tinha 17 anos e apascentava o rebanho com seus irmãos..." (Bereshit 37:2)? Não faria mais sentido?
Mas eles estavam convictos de que os sábios anteriores a eles sabiam o que faziam quando afastaram literariamente - e literalmente - Iaacov de Essav e aproximaram o seu destino ao do filho Iossef. Há outro midrash  interessantíssimo que compara a vida de pai e filho e lê o início do segundo versículo da parashá Vaieshev do seguinte modo: "Estas são as gerações de Jacob-Iossef...", como se a vida do pai continuasse na de seu filho; ou como se Iaacov desejasse que o filho seguisse seus passos; ou ainda, como se seu sonho fosse que Iossef realizasse tudo aquilo que ele, Iaacov, não conseguiu realizar. Em resumo: Iaacov, desta perspectiva, pensava como quase todos os pais.
Talvez por isso os rabinos dos tempos do Talmud tenham se dedicado tanto a este primeiro versículo, cuja interpretação pode servir de pano de fundo para o destino de Iossef não só como continuação ao de seu pai, Iaacov, mas também à dinastia que vem do avô Itschac e do bisavô Avraham, o fundador do que hoje chamamos de Povo Judeu.
Neste versículo os rabinos vêem como um dos principais objetivos da vida dos patriarcas (e matriarcas: não esqueçam que Sara também fazia conversões! Ué, mas mulher pode? prá você ver... pode. Há 4 mil anos! Segundo o Shulchan Aruch? Nãaaao, segundo os rabinos do Talmud) a busca de novos adeptos, buscando explicitamente atrair mais gente para um projeto de povo recém-criado.
Poderia muito bem ser este o sentido do presente que Iaacov deu a Iossef, o belo manto technicolor com faixas de todas as cores. Imagino este como o dia do bar mitsvá de Iossef, quando no ápice da cerimônia, Iaacov envolve o filho neste manto, um talit multicolorido: "Iossi, meu filho, este talit que hoje eu entrego a você representa a tradição de sua família, de seus pais, avós e bisavós: trazer para a sua casa gente de todos os matizes, de todas as cores e histórias, e acolhê-los, dar-lhes de comer e beber, aproximá-los da Torá e introduzi-los sob as asas da Shechiná, como ensinou seu bisavô Avraham. Tenha a certeza que sua mãe, a nossa saudosa Ruchale, está muito orgulhosa de você também. Use com saúde, sháine íngale. Mazal tov de seus pais, Iaacov e Rachel z'l".
Será que os rabinos não queriam dizer que este deveria ser o objetivo de vida de Iossef, que este é o costume, que esta é a tradição? E a de seus filhos? E a dos judeus até os dias atuais?
Se levarmos em conta que Iossef vai parar no Egito por vias tortuosas (você vê, Iossale, "como é duro ser judeu", diria séculos mais tarde um provérbio ídishe...),lá se torna um homem politicamente muito poderoso, e casa-se com uma mulher egípcia - há midrashim que dizem que ela se converteu - talvez seja este o mote do midrash abaixo: Iossef era tão amado por Iaacov porque o pai via nele, mais do que nos outros filhos, a capacidade de seguir o caminho de seus antepassados e buscar novos adeptos aos seus valores espirituais.
Daqui faço um gancho com outro midrash bem posterior (oi vei, isso está virando é um mishmash-midrash!) que se pergunta: Por que os judeus tiveram que sair de Israel e se dispersaram pelo mundo? E o midrash responde: para converter mais gente ao judaísmo.
Talvez Iossef, quando foi parar no Egito "de carona" com seu primos, aqueles comerciantes ismaelitas, deu a volta por cima e de escravo virou vice-rei, tenha aproveitado a oportunidade para colocar em prática o mesmo objetivo: converter pessoas como antes dele fizeram seus antepassados - porque apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos, nós ainda somos os mesmos e vivemos (Avraham), Ainda somos os mesmos e vivemos (Itschac), Ainda somos os mesmos e vivemos (Iaacov) como os nossos pais (Iossef)... - pois é, tradição de família (Tradition!, diria Tevye, o leiteiro de Anatevka, a impagável criação de Scholem Aleichem imortalizada no filme "O Violinista no Telhado").
Isso daria um novo sentido à história de que o povo de Israel se multiplicou enormemente em terras egípcias, causando no Faraó o temor de que os israelitas viessem tomar o poder mais cedo ou mais tarde, levando-o primeiro a oprimi-los e, depois, a escravizá-los. Para mim, faz mais sentido que durante cerca de 200 anos os israelitas no Egito, prósperos graças às condições de vida e ao respeito herdado de Iossef, tenham seguido a tradição (Tradition!) de converter gente, do que a história, também do midrash, de que as mulheres israelitas passaram a ter números delirantes de filhos a cada vez que davam à luz.
Daí pode-se também supor que as conversões podem sim ser uma alternativa viável (e mais do que isso, uma tradição) à sobrevivência do povo judeu - seja na Diáspora, seja no Estado de Israel - compondo uma dupla de sucesso com o famoso "pru urvu - crescei e multiplicai-vos" via nascimentos de meninos e meninas judeus.

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