Gam Zu Letová
É muito comum já lermos certas histórias com olhar preconcebido. Já sabemos a resposta, sem nem nos questionarmos. Por exemplo: ao escutarmos a expressão gam zu letová, "também isso é para o bem", podemos pensar: "Bom, Deus sabe o que faz"; "Quem sabe isso impediu que me acontecesse algo pior?"; "Eu tinha que passar por isso para saber como lidar em determinadas situações quando elas surgirem novamente; "tudo bem, vale como capará (expiação)."; e tantas outras.
Por um lado, Gam zu letová pode indicar uma posição de conformismo. Por outro, pode expressar um otimismo a prova de qualquer desgraça. Olhando desde um prisma psicológico, o extremo destas duas perspectivas pode apontar para um estado de depressão (ok, poderia ser pior, o que é que eu posso fazer...) ou para um estado de mania, um otimismo injustificado (está tudo bem, nada aconteceu! Vamos aguardar o final da história; se as coisas ainda não estão bem é porque ainda não chegamos ao final).
Eu sugiro uma terceira possibilidade, a partir da fala do próprio Nahum de Gamzu na história anterior (do postado abaixo): "É minha a responsabilidade pelo que acontece comigo.", para o que nos acontece de bom ou de mau. O relato abaixo pode dar mais alguma indicação disso. boa leitura e uma ótima semana!
O Homem de Gam Zu
Uri Lam (inspirado no Talmud, Taanit 21a)
Por que o rabino era conhecido como Nahum de Gamzu? Porque para tudo o que lhe acontecia ele dizia: “Gam zu letová, também isso é para o bem”. Por isso ficou conhecido como “O Homem de Gam Zu”.
Certa vez os judeus desejaram enviar um presente à corte do Imperador. “Quem vai?”, discutiram. Não demorou muito e a decisão estava tomada: “Vai o Nahum, o Homem de Gam Zu. Ele sabe como lidar com estas situações."
Pelo jeito aqueles judeus não haviam decidido enviar um presente ao imperador romano porque o amavam e respeitavam ou porque ele era bom com eles. É bem provável que fosse um modo de manter boas relações com o governo e assim tentar garantir um pouco de tranquilidade na vida diária, sem perseguições ou ataques vindos do nada. Mas eles sabiam também que qualquer erro poderia ser fatal, daí ser necessário pensar muito bem quem enviar para falar com o Imperador.
E lá foi Nahum, o Homem de Gam Zu, carregando uma bolsa cheia de pérolas e pedras preciosas como presente para o Imperador.
A viagem era longa, e à noite Nahum resolveu descansar. Parou em uma hospedaria na beira da estrada e ocupou um quarto. Durante a madrugada os donos do local se levantaram, pegaram a bolsa de Nahum, retiraram todas as pérolas e pedras preciosas e a encheram com entulho de terra e palha. No diante seguinte, ao se dar conta do que ocorrera, Nahum disse para si mesmo: “Gam zu letová.” Partiu e seguiu viagem.
Ao chegar ao palácio do Imperador, abriram a sua bolsa e só encontraram aquele monte de entulho. O Imperador ficou uma vara. Prestes a mandar matar, o César exclamou: “Estes judeus estão zombando de mim!”
E Nahum disse para si mesmo: “Gam zu letová!”
Foi então que Eliahu Hanavi (o profeta Elias, que nos contos rabínicos aparece diversas vezes para salvar a pele de judeus em apuros) disfarçado de conselheiro real, dirigiu-se ao Imperador e argumentou: “Meu senhor, talvez este seja o mesmo pó de Abrahão, o patriarca dos judeus. O senhor sabe, quando se via cercado de inimigos, Abrahão lançava este pó para o alto e ele se transformava em espadas, e quando jogava a palha para o alto, esta tomava a forma de setas, conforme está escrito: ‘Serão suas espadas como pó, e suas setas como a palha que o vento leva.’ (Isaías 41:2) O senhor certamente conhece a história daquela nação que ninguém conseguia conquistar? Pois é. Os judeus usaram este pó e a conquistaram.”
Convencidos do poder daquele entulho milagroso, os guardas do palácio foram até a sala do tesouro real, despejaram ali todo aquele pó e palha, encheram novamente a bolsa de Nahum com pérolas e pedras preciosas e o mandaram de volta para casa, coberto de honrarias.
Quando durante a viagem de volta Nahum se instalou novamente na mesma hospedaria, os proprietários perguntaram, surpresos: “O que você levou para o Imperador para receber tantas honrarias?”
Nahum respondeu: “O que levei daqui entreguei ali.”
Os funcionários então puseram a hospedaria abaixo, juntaram todo o entulho e levaram ao palácio real, imaginando quanta riqueza aquilo deveria valer. Ao chegarem, disseram ao Imperador: “O pó que os judeus trouxeram para cá é nosso.”
Na primeira batalha que houve o exército do Imperador testou o pó, mas ele não surtiu nenhum efeito. E os donos da hospedaria foram levados à morte.
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