Comentário da Parashat Vaietsê
Folheto semanal "Congregar" da CIP, para o próximo Shabat
Uri Lam
“Quem sai na chuva é para se molhar.” Quem sair por aí, saiba que a vida lá fora não será fácil. Outros costumes, outra língua, outro mundo. O novo é imprevisível, sentimos que podemos arriscar, mas uma dia descobrimos que não podemos tudo.
Antes Jacob “vivia em tendas”. O aventureiro era seu irmão Esau. Mas havia chegado a hora de sair de casa. Ficar significava enfrentar a fúria do irmão, disposto a matá-lo por ter roubada a sua primogenitura. O “novo” era, apesar de tudo, Harán, a terra de parentes da família – nada mau, poderia ter pensado.
Foi em um ambiente pastoril que Jacob viu Raquel pela primeira vez. Já haviam lhe contado que era filha de Laván, seu tio. Foi amor à primeira vista. Como um cavalheiro, removeu a pedra da boca do poço, deu de beber ao rebanho apascentado pela jovem e, num gesto incomum, beijou-a – afinal, quem está na chuva... Clima de romantismo no ar. A amada o levou, quem sabe, à casa do futuro sogro, com quem aceitou os termos do acordo: trabalhar sete anos como pastor em troca de Raquel, a quem tanto amava, embora isto não fosse necessariamente recíproco: a Torá não diz uma única vez que Raquel amava Jacob.
A vida no campo era dura. Os dias de pastoreio não eram tão românticos como à primeira vista. O sol ardia de dia, as geadas castigavam à noite. As condições de trabalho não tinham graça: ao longo dos anos o sogro mudou seu salário por dez vezes – e pela insatisfação de Jacob, não foi para melhor. Quem chorava pela morte do bezerro não era Laván; o prejuízo era sempre de Jacob. Mas tudo valia à pena por Raquel. Até que chegou o dia do casamento. Na manhã seguinte... “Quem é esta, Lea?! E o nosso acordo? “Eu não lhe contei?”, diz o sogro, “Onde já se viu entregar a filha mais nova antes da mais velha? Este é o costume por aqui.”
Jacob não confiava mais no tio-sogro, mas não havia alternativa. Em novo acordo, aceitou trabalhar mais uma semana para casar-se com Raquel – e outros sete anos para pagar a dívida.
Estava formada a estranha família: Lea que amava Jacob que amava Raquel que não amava Jacob que não amava Lea. A irmã mais velha se iludiu pensando que conquistaria o amor de Jacob com filhos, e foi um atrás do outro. Raquel invejava tanto a irmã por isso que, imagina-se, em tom nada amoroso, exigiu de Jacob: “Dá-me filhos senão estou morta!” E Jacob retribuiu com juros: “Acaso estou por trás das decisões de Deus, que lhe impediu de ter filhos?” Em outras palavras: “Eu tenho lá culpa por você não conseguir engravidar?”
Os sábios do Talmud não gostaram nada da reação de Jacob. “Não se responde assim para quem está fragilizado”, enfiando o dedo na ferida, no que Raquel mais queria na vida, um filho. E mais: os rabinos notaram que ele disse: “Você não pode ter filhos”, como dizendo: “Eu posso, eu tenho filhos”. Conta um midrash que o próprio Deus repreendeu Jacob: “A sua esposa tão amada há anos tenta e não consegue ter filhos, e você fala com ela com tanta grosseria? Por isso no futuro os seus filhos (com Lea) terão que se acertar com o filho dela (José).” O resto da história nós conhecemos: ao venderem José como escravo e mentirem ao pai que ele morrera tragicamente, Jacob sofreu anos de luto. Já seus filhos com Lea passaram maus bocados nas mãos de José, agora braço direito do Faraó no Egito.
Quem está na chuva é para se molhar – e Jacob tomou um banho de como não se deve agir. Nas próximas semanas saberemos como ele aproveitou o aprendizado.
Folheto semanal "Congregar" da CIP, para o próximo Shabat
Uri Lam
“Quem sai na chuva é para se molhar.” Quem sair por aí, saiba que a vida lá fora não será fácil. Outros costumes, outra língua, outro mundo. O novo é imprevisível, sentimos que podemos arriscar, mas uma dia descobrimos que não podemos tudo.
Antes Jacob “vivia em tendas”. O aventureiro era seu irmão Esau. Mas havia chegado a hora de sair de casa. Ficar significava enfrentar a fúria do irmão, disposto a matá-lo por ter roubada a sua primogenitura. O “novo” era, apesar de tudo, Harán, a terra de parentes da família – nada mau, poderia ter pensado.
Foi em um ambiente pastoril que Jacob viu Raquel pela primeira vez. Já haviam lhe contado que era filha de Laván, seu tio. Foi amor à primeira vista. Como um cavalheiro, removeu a pedra da boca do poço, deu de beber ao rebanho apascentado pela jovem e, num gesto incomum, beijou-a – afinal, quem está na chuva... Clima de romantismo no ar. A amada o levou, quem sabe, à casa do futuro sogro, com quem aceitou os termos do acordo: trabalhar sete anos como pastor em troca de Raquel, a quem tanto amava, embora isto não fosse necessariamente recíproco: a Torá não diz uma única vez que Raquel amava Jacob.
A vida no campo era dura. Os dias de pastoreio não eram tão românticos como à primeira vista. O sol ardia de dia, as geadas castigavam à noite. As condições de trabalho não tinham graça: ao longo dos anos o sogro mudou seu salário por dez vezes – e pela insatisfação de Jacob, não foi para melhor. Quem chorava pela morte do bezerro não era Laván; o prejuízo era sempre de Jacob. Mas tudo valia à pena por Raquel. Até que chegou o dia do casamento. Na manhã seguinte... “Quem é esta, Lea?! E o nosso acordo? “Eu não lhe contei?”, diz o sogro, “Onde já se viu entregar a filha mais nova antes da mais velha? Este é o costume por aqui.”
Jacob não confiava mais no tio-sogro, mas não havia alternativa. Em novo acordo, aceitou trabalhar mais uma semana para casar-se com Raquel – e outros sete anos para pagar a dívida.
Estava formada a estranha família: Lea que amava Jacob que amava Raquel que não amava Jacob que não amava Lea. A irmã mais velha se iludiu pensando que conquistaria o amor de Jacob com filhos, e foi um atrás do outro. Raquel invejava tanto a irmã por isso que, imagina-se, em tom nada amoroso, exigiu de Jacob: “Dá-me filhos senão estou morta!” E Jacob retribuiu com juros: “Acaso estou por trás das decisões de Deus, que lhe impediu de ter filhos?” Em outras palavras: “Eu tenho lá culpa por você não conseguir engravidar?”
Os sábios do Talmud não gostaram nada da reação de Jacob. “Não se responde assim para quem está fragilizado”, enfiando o dedo na ferida, no que Raquel mais queria na vida, um filho. E mais: os rabinos notaram que ele disse: “Você não pode ter filhos”, como dizendo: “Eu posso, eu tenho filhos”. Conta um midrash que o próprio Deus repreendeu Jacob: “A sua esposa tão amada há anos tenta e não consegue ter filhos, e você fala com ela com tanta grosseria? Por isso no futuro os seus filhos (com Lea) terão que se acertar com o filho dela (José).” O resto da história nós conhecemos: ao venderem José como escravo e mentirem ao pai que ele morrera tragicamente, Jacob sofreu anos de luto. Já seus filhos com Lea passaram maus bocados nas mãos de José, agora braço direito do Faraó no Egito.
Quem está na chuva é para se molhar – e Jacob tomou um banho de como não se deve agir. Nas próximas semanas saberemos como ele aproveitou o aprendizado.
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