O caso da estudante de medicina que foi presa (e solta logo depois) porque usava talit e segurava um Sefer Torá em área próxima ao Kotel (não na área delimitada junto ao Muro das Lamentações, mas naquela área atrás, "aberta") levantou muita discussão em Israel e mesmo fora. Ao estudar um outro tema, sobre Filosofia da Halachá para o curso de Machshevet Israel (Pensamento Judaico), me deparei com o midrash abaixo.
Ele me fez recordar da famosa história do rabino que, diante de um casal em processo de separação, escutou os dois lados em separado e, no final, considerou que ambos estavam com a razão. A esposa do rabino, inconformada, questionou o marido: "Como assim, os dois têm razão, se um diz exatamente o oposto do outro?" E o rabino respondeu: "Sabe que você também tem razão?"
Midrash Tehilim (Salmos) 12
Rabi Ianai afirmou: Que não sejam consideradas as palavras da Torá como peças, pois a cada palavra do Deus Santo, Bendito Seja, a Moisés, Ele dizia: “Há 49 faces tahor (puro) e 49 faces tamê (impuro).”
(Moisés) perguntou: “Ribonô shel Olam, Soberano do Universo, até quando, para tratarmos do esclarecimento de suas palavras (da Torá)?”
(Deus) respondeu: “Até que se possa seguir a maioria. Se a maioria for a dos que impurificam, (será) tamê, impuro; se a maioria for a dos que purificam, (será) tahor, puro.”
Segundo este midrash, as palavras da Torá não são como peças de um quebra-cabeças cuja combinação correta resulta em uma única solução correta, ou em uma única verdade indiscutível. De forma alguma. A Torá está aberta a diversas possibilidades de interpretação, sendo possível inclusive haver uma interpretação e o seu oposto como igualmente válidas e verdadeiras.
Os conceitos de tahor (puro) e tamê (impuro) também dependem do contexto; nem sempre o puro é o certo nem o impuro é sempre o errado. Por exemplo: conforme o Talmud, a escrita no pergaminho do Sefer Torá será válida “se impurificar a mão” ao ser tocada – aqui o tamê é o modo de atestar que a Torá é válida. Em outras palavras, o aparentemente inadequado, “impuro” ou errado pode ser a melhor opção e vice-versa. Tudo depende do contexto.
Mas Moisés, como legítimo representante dos seres humanos neste midrash, deseja uma resposta simples e direta. Ele quer saber qual é a halachá, a definição do “único modo correto de agir” que exclua todas as demais possibilidades. A resposta que Deus afirma é o princípio democrático tão judaico de que devemos conhecer todas as opções e a decisão a ser seguida será a escolhida pela maioria.
Quando isso acontecer, as demais opções permanecerão no nosso tesouro de possibilidades (neste caso, restariam simbolicamente 97 outras opções... nada mal). Nada impede que, em outra época, local e cultura, a halachá um dia determinada por certa maioria seja revista e outra das “faces da Torá” seja a escolhida pela nova maioria.
Por isso, quando alguém lhe disser, de forma definitiva e atemporal, a halachá, o modo judaico de agir em determinada situação, é X, e não se fala mais nisso - questione, leve em conta que há inúmeras outras possibilidades - inclusive o oposto de X.
Explicado por que a cada dois judeus há pelo menos três opiniões? É pouco; conforme o nosso midrash, para cada “convicção absoluta” há pelo menos outras 97 alternativas igualmente válidas.
Os conceitos de tahor (puro) e tamê (impuro) também dependem do contexto; nem sempre o puro é o certo nem o impuro é sempre o errado. Por exemplo: conforme o Talmud, a escrita no pergaminho do Sefer Torá será válida “se impurificar a mão” ao ser tocada – aqui o tamê é o modo de atestar que a Torá é válida. Em outras palavras, o aparentemente inadequado, “impuro” ou errado pode ser a melhor opção e vice-versa. Tudo depende do contexto.
Mas Moisés, como legítimo representante dos seres humanos neste midrash, deseja uma resposta simples e direta. Ele quer saber qual é a halachá, a definição do “único modo correto de agir” que exclua todas as demais possibilidades. A resposta que Deus afirma é o princípio democrático tão judaico de que devemos conhecer todas as opções e a decisão a ser seguida será a escolhida pela maioria.
Quando isso acontecer, as demais opções permanecerão no nosso tesouro de possibilidades (neste caso, restariam simbolicamente 97 outras opções... nada mal). Nada impede que, em outra época, local e cultura, a halachá um dia determinada por certa maioria seja revista e outra das “faces da Torá” seja a escolhida pela nova maioria.
Por isso, quando alguém lhe disser, de forma definitiva e atemporal, a halachá, o modo judaico de agir em determinada situação, é X, e não se fala mais nisso - questione, leve em conta que há inúmeras outras possibilidades - inclusive o oposto de X.
Explicado por que a cada dois judeus há pelo menos três opiniões? É pouco; conforme o nosso midrash, para cada “convicção absoluta” há pelo menos outras 97 alternativas igualmente válidas.
A vida seria mais simples se Deus nos desse uma única opção, mandasse e pronto. Mas a vida, graças a Deus (literalmente) é bem mais variada - e interessante - do que isso.
Boa semana!
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