segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Quem não viu o Templo de Herodes, não viu tão belo edifício em sua vida
Este ano faço um curso de extensão em Modiin (entre Jerusalem e Tel Aviv) prá lá de interessante. Nele estudamos, uma vez por semana, o dia inteiro, passagens do Talmud, textos do Rebe Nachman de Breslav e textos de Nachman Bialik, que vem ainda acompanhados de uma abordagem psicológica que eu diria ser existencialista, voltada para a orientação de grupos. Parece complicado... e é. Mas na prática, o encontro semanal estabelece um diálogo delicioso entre estas diversas fontes judaicas, clássicas, modernas e contemporâneas - e aqui incluo a abordagem psicológica também. Em outras oportunidades espero falar mais deste estudo em grupo.
Na semana passada nos deparamos com um texto difícil. Não tanto de ler, mas principalmente de compreender, de sentir. Esta suguiá (passagem do Talmud) conta sobre Herodes e termina com a frase que dá o título deste post: "Quem não viu o Templo de Herodes, não viu tão belo edifício em sua vida". Veremos a que preço este "belo templo" foi construído, na visão dos sábios do Talmud.
O texto dialoga com outra passagem do Talmud, onde se faz uma comparação entre diversos princípios, por dizer assim, tão importantes para a vida judaica: a sinagoga, o Sefer Torá, a libertação de pessoas feitas prisioneiras. O que tem mais valor, um edifício? ou  a vida dos cativos? Impossível não pensar, para quem está em Israel, nos mais de 4 anos em que o jovem soldado Guilad Shalit está sequestrado e cativo nas mãos do Hamas, em Gaza. Qual preço se deve pagar por sua libertação? Alguns entendem que a vida é o maior valor do judaísmo e que tudo deve ser feito para pagar por sua liberdade. Outros dizem que o preço pedido é muito alto: a libertação de mais de mil prisioneiros palestinos em Israel, entre os quais há um número significativo de terroristas, pessoas que planejaram ou cometeram atentados terroristas, levando consigo a vida de tantos civis israelenses. E qual o preço para resgatar os sobreviventes da tragédia no Rio de Janeiro, bem como resgatar os corpos de mais de 630 pessoas mortas em meio a desabamentos e enchentes? Quanto valem estas vidas - para o governo, para as famílias, para os amigos, para as próprias pessoas que estão sofrendo tanto?
Uma das questões que o Talmud levanta é: o que é mais importante, a construção de uma sinagoga ou a libertação dos cativos? o que é mais importante, a construção de templos e igrejas gigantescas, ou com tanto dinheiro resgatar vidas de condições miseráveis? Sãop questões que ficam em aberto.
Vale à pena ler o texto abaixo (na minha opinião, claro) para ver a que preço foi levantado o Templo de Herodes.
Boa leitura e uma ótima semana.
Quem não viu o Templo de Herodes, não viu tão belo edifício em sua vida...

Talmud Bavli, Baba Batra 3b, 4a
trad.: Uri Lam, Tevet 5771, jan. de 2011 
Herodes, escravo da Casa dos Chasmonaim (hasmoneus), teve seus olhos atraídos para uma certa menina. Um dia este homem escutou a Bat Kol (a “voz divina”) dizer: “Todo escravo que se rebelar agora será bem sucedido”. Ele foi e assassinou todos os seus senhores, deixando somente a menina. Ao ver que ele pretendia se casar com ela, a menina subiu no telhado e gritou: “Quem vier e disser ‘Eu sou da Casa dos Chasmonaim’ [na verdade] é um escravo!” - pois ninguém sobrou deles a não ser a menina – e ela caiu do telhado até o chão. Ele preservou seu corpo em mel durante sete anos.
Há quem diga: “Ele manteve relações sexuais com [o corpo d]ela”; e há quem diga: “Ele não manteve relações sexuais com ela”. De acordo com quem diz que ele manteve relações sexuais com ela, o motivo de embalsamá-la foi satisfazer seus desejos. De acordo com quem diz que ele não manteve relações sexuais com ela, o motivo foi para que dissessem: “Casou-se com a filha do rei”.
[Pensou Herodes] “Quem foi que disse que ‘dentre teus irmãos porás um rei sobre ti’ (Deut. 17:15)? Os Sábios!” Ele foi e matou todos os Sábios, deixando Baba ben Buta, para ter com quem se aconselhar.
[Herodes] Colocou na cabeça [de Baba ben Buta] uma coroa de espinhos de ouriço que lhe arrancou os olhos. Um dia Herodes veio [sem se identificar], sentou-se diante dele e disse: “Veja só, meu senhor, este escravo maldoso [Herodes], o que ele faz!” Disse-lhe [Baba ben Buta]: “O que posso fazer para ele?” Respondeu-lhe [Herodes]: “Amaldiçoe-o, meu senhor!” [Baba ben Buta] respondeu: “Está escrito: ‘Nem mesmo em teus pensamentos você dever amaldiçoar um rei’ (Eclesiastes 10:20)”. Disse-lhe [Herodes]: “Ele não é rei!” [Baba ben Buta] respondeu: “Mesmo que ele seja apenas um homem rico, está escrito ‘e nem mesmo no seu dormitório amaldiçoe os ricos’ (idem); e ainda que ele não seja mais do que um governante, está escrito: ‘e não amaldiçoe um governante do teu povo’(Êxodo 22:27)”.  Disse-lhe [Herodes]: “No caso de quem age como um de seu povo, mas este não age como alguém do seu povo!” Respondeu-lhe [Baba ben Buta]: “Eu tenho medo dele”. [Herodes] respondeu: “Mas ninguém virá e dirá a ele sobre eu e você estamos sentados aqui [sozinhos]”. [Baba ben Buta] Respondeu: “Está escrito: ‘Pois uma ave no céu levará a voz - e quem tem asas contará tudo’ (Eclesiastes 10:20)” Disse-lhe [Herodes]: “Eu sou este homem [Herodes]. Se eu soubesse que os Sábios eram tão cuidadosos, não os teria matado. Agora, como posso consertar o que fez aquele homem?” [Baba ben Buta] Respondeu-lhe: “Ele extinguiu a luz do mundo [ao matar os Sábios], conforme está escrito: ‘Pois a mitsvá [mandamento divino] é a vela e a Torá é a luz’ (Provérbios 6:23). Ele deve ir e se ocupar da luz do mundo, conforme está escrito: ‘E fluirão para [serão iluminadas por] ele todas as nações’ (Isaías 2:2) [Baba ben Buta interpreta “naharu” (fluirão) a partir do termo “nehorá” (luz)]. Há quem diga que [Baba ben Buta] lhe respondeu assim: “Ele cegou o olho do mundo, conforme está escrito: ‘E será que, por causa do olho da Congregação’ (Números 15:24). Ele deve ir e se ocupar do olho do mundo, conforme está escrito: ‘Aqui estou a profanar o Meu Mikdash [o Templo Sagrado], o orgulho do seu poder, o deleite dos seus olhos’ (Ezequiel 24:21)”. [Herodes] Respondeu: “Temo o Governo [de Roma]”. [Baba ben Buta] Respondeu-lhe: “Mande um enviado por um ano até lá [Roma], deixe-o lá por um ano, e que retorne por um ano -  durante este período derrube [o Templo] e reconstrua-o”. Assim o fez. Enviaram-lhe [a Herodes, de Roma, a seguinte mensagem]: “Se você ainda não o derrubou, não o faça. Se você o derrubou, não o reconstrua. Se você o derrubou e o reconstruiu, você é um desses servos ruins que primeiro fazem e depois pedem permissão. Se as armas estão com você, conte de quem você descende; você não é recha [rei] nem descende de um rei, Herodes, escravo que libertou a si mesmo”. O que significa “recha”? Realeza, conforme está escrito: “E eu hoje sou Rach (Rei) e ungido Rei” (2 Samuel 3:39). E caso queira, daqui se depreende [do que foi dito de José, após ocupar o segundo posto de poder, só abaixo do Faraó]: “E diante dele o chamavam de Avrech [termo egípcio que significa “governante”, que os Sábios do Talmud interpretaram como Av Rech, “Pai do Rei”] (Gênesis 41:43). Dizem: Quem não viu a construção [o Templo] de Herodes, não viu tão belo edifício em sua vida.

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