quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Yeshayahu Leibowitz e o Discotel
Quando Leibowitz foi citado no texto do rabino Yehoram Mazor sobre o Kotel (publicado hoje no blog), fiquei curioso em conhecer todo o artigo deste que é tido como um dos grandes pensadores de Israel no século 20, mas também com uma lingua afiada que despertava amor e ódio. Sei que na semana passada comprei um livro fantástico dele, com 7 anos de seus comentários da parashat hashavua que eram transmitidos pela rádio, entre 1978 e 1982. Tem coisas bem interessantes lá que dá o que pensar, sem necessariamente concordar.
Mas preciso dizer: depois de ler o artigo no original, respeitavelmente discordo do modo como meu professor, rabino Mazor, o citou, para mim fora de contexto,como apoio à sua tese de que o Kotel não tem nada de sagrado. Nisso, aliás, concordo. Atribuir ao Kotel milagres, rezar praticamente para ele,colocar papeizinhos em seus buraquinhos (chalulim chalulim, nekavim nekavim...), não me parece muito diferente de como fiéis de outras religiões se voltam a imagens, santinhos, ou a pessoas como se fossem Deus. Neste sentido estou com Mazor. Mas é cada um de nós que pode dar ao Kotel o sentido do sagrado - sejamos reformistas, conservadores, ortodoxos. E aí discordo do meu professor, pois entendo que como judeu reformista, eu tenho o mesmo direito que os n grupos ortodoxos de rezar junto ao Kotel conforme os costumes da minha comunidade.
Leibowitz enfatiza a meu ver o quanto o comportamento das pessoas dessacraliza o lugar, enquanto o rabino Mazor entende que o próprio lugar é inerentemente um muro e nada mais. A frente do Kotel não virou a Shechiná Disco de Leibowitz, mas um terreno estranho, onde muitas vezes o que parece ser não é. A repressão cada vez maior a práticas de grupos judaicos liberais é vísível, enquanto "judeus" messiânicos, "israelitas" antes conhecidos como Igreja do 7º Dia ou algo semelhante, e alguns evangélicos vêm de talit katan, colocam talit, kipá, aprendem a colocar tefilin com a ajuda ingênua dos voluntários do Beit Chabad, pousam no muro, depois mostram às suas igrejas e ao mundo as fotos, "prova" de sua condição "judaica". Tão judaica quanto eu seria um índio xavante se pousasse vestido de cacique coberto de penas e tatuagens de hena preparado para a guerra. Mas isto corre livre no Kotel. Em outras palavras: judeus liberais no Kotel com seus costumes, não; mas não-judeus vestidos "como se fossem", que vão e rezam no Kotel "a la ortodoxa", em nome de Jesus, isso pode.
Tem muita coisa fora da ordem no Kotel. Alguns diriam, porém, que falar disso é quase como falar com as paredes - ou com um muro.

Bom, chega de conversa. Encontrei o tal artigo de Leibowitz. Aí vai. Foi publicado logo após a euforia da vitória na Guerra dos Seis Dias, quando a cidade velha de Jerusalém foi libertada (estava sob o governo da Jordânia) e unificada à cidade nova. Leibowitz foi uma das poucas vozes dissonantes quanto ao papel do Kotel nesta história toda. Vejamos por quê. Boa leitura.
Discotel
Publicado no jornal Haaretz, 21/7/1967
E no livro "O Judaísmo, os Judeus e o Estado de Israel"
Yeshayahu Leibowitz
tradução: Uri Lam
A profusão de artigos, discursos, comentários religiosos e cartas para os jornais de lideranças religiosas, partidárias e rabínicas, sobre o sentido religioso e nacional da libertação do Kotel Hamaaravi, o Muro Ocidental, sobre o despertar religioso e a unidade nacional, que ganha expressão na peregrinação de multidões de judeus ao Kotel no feriado de Chag HaShavuot, ocorrido dez dias após o dia da libertação, etc. etc. Tudo isso exige uma reação clara.
Desde que o malvado Rei Menashe ben Hizkiahu ergueu esculturas e imagens no Beit Hamikdash, e passou seu filho pelo fogo no vale que fica na descida do Monte do Templo, e desde o dia em que foi erguido algo horripilante e assustador no Templo pelo rei sírio-grego Antioco Epifanes e seu servidores judeus helenizados - daquele dia até hoje não houve outro chilul Hashem, outra profanação do nome de Deus, como a peregrinação ao Kotel de 200 mil judeus em 20 mil carros nesta semana, fato comprovado pelo fato de a polícia de Israel ter estabelecido estacionamentos especiais na descida do Monte do Templo para os carros dos visitantes do Kotel Hamaaraví durante os dias de Shabat, e não houve nenhuma vergonha para a Torá e  para o judaísmo como este fenômeno de milhares de judeus e judias descendo agora, de Shabat em Shabat, até a Cidade Velha para comprar "pechinchas" no bazar árabe.
Assim, para que tenhamos uma união nacional à sombra do Kotel, eis a minha sugestão: que seja arrumada a área que fica diante do Kotel como a maior discoteca do Estado de Israel, e que seja chamada de "Shechiná Disco". Isso irá satisfazer os desejos de gente de todas as facções e ideologias do povo: os seculares - por ser uma discoteca; e os religiosos - porque o local recebeu o nome de Shechiná (Presença Divina). Isto irá servir como um símbolo solene para a unidade do povo, representado por coalizões que vão do Mafdal ao Mapam (partidos desde a direita religiosa à esquerda laica - N. do T.) no governo de Israel, e do Mapai até a Agudat Israel (partido de centro-esquerda ao de direita religiosa, N. do T.) na cidade de Jerusalém - símbolo de um contrato ateísta-clerical de um país laico conhecido pelo público como sendo religioso.

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