Rabi Iochanan e Resh Lakish - O mundo é maior do que a imagem no espelho
Uri Lam
A partir do questionamento do meu amigo Gerry.
Rabi Iochanan era Rosh Yeshivá, belo, inteligente, prá lá de instruído. Vivia a se admirar.
Resh Lakish era forte, admirador das armas e admirado pelos bandidos.
Ambos eram mestres no que faziam, ambos orgulhosos, para o bem e para o mal.
Um dia, quando Rabi Iochanan se banhava no rio Jordão, Resh Lakish o viu, saltou no rio depois dele e começaram a conversar.
E ambos entram no rio
As águas que passam lá também passam cá. Ambos precisam da ajuda um do outro para crescer. Iochanan precisa deixar de ser tão Narciso, que acha feio o que não é espelho. Mas em vez disso, quer fazer Lakish à sua imagem e semelhança. Chega a oferecer a irmã, tão linda quanto ele - assim até mesmo os filhos de Lakish serão como Iochanan. Ele tem que se arrepender - Ele quem?!
Lakish salta no rio depois de Iochanan. Lakish toma a iniciativa. Iochanan o cutuca e recebe resposta à altura. "Estude Torá" diz a Lakish. "Use sua beleza para as mulheres, não para se sobrepor aos demais, o que será de um mundo feito só de clones de Iochanan?" responde Lakish. "Farei de você um grande homem", diz Iochanan, sem dar ouvidos. Mas Lakish escuta e topa o desafio,cresce e se transforma. Iochanan não. Permanece preso à sua imagem, à sua própria beleza. "O mundo precisa de homens como eu, o mundo deve ser como eu."
Lakish supera o mestre
pois antes já era mestre em armas e usa sua experiência positivamente. Iochanan não suporta ter sua "beleza" superada por ninguém, e em vez de desfrutar do diálogo com quem é diferente, em vez de crescer diminui o outro lembrando-o de seu passado não muito louvável em meio aos bandidos.
Rabi Iochanan: Vejo que um bandido entende do seu negócio.
Resh Lakish: Se eu era Mestre junto aos bandidos , agora também sou Mestre junto à Torá.
Lakish se decepciona com seu mestre. Quebra-se o espelho. Ele não é a imagem de Iochanan nem quer ser. Lakish tem suas próprias experiências. Ele transformou suas habilidades do passado, antes fator de admiração de bandidos, em habilidades capazes de determinar judaicamente o que está positivamente apto ou não para o uso. Iochanan permaneceu o mesmo. O discípulo supera o mestre.
Iochanan leva Resh Lakish à morte
sem armas, sem facas nem foices, mas por uma arma muito mais mortal: a palavra. Quando Lakish morre, Iochanan percebe que perdeu aquele que saltou na água com ele, que debatia com ele, que o fazia pensar e refletir não sobre si mesmo apenas, mas sobre o mundo, as armas, a vida. Agora sobrou apenas o espelho de si mesmo. Como Narciso, Iochanan salta nas águas e mergulha na depressão.
Rabi Eleazar quer ajudar o amigo. Encontra-se com Iochanan, mas somente lhe mostra Narciso no espelho. "Você está certo, meu amigo". É tudo o que Eleazar tem a dizer? Será que não se deu conta do que o mais belo homem de Jerusalém, o mais sabido, o mais mais, fez com suas certezas?
Iochanan se desespera
Mostrar quem é não o ajuda mais - ele sabe quem é, e não se orgulha mais disso, ao contrário, se arrepende. Ele percebe que perdeu a oportunidade de crescer, de ultrapassar a beleza superficial do ego e alcançar a verdadeira beleza no diálogo com o outro, e assim ampliar a visão e a experiência do mundo. Enquanto Eleazar mostra a imagem de Iochanan no espelho d'água e a elogia, Lakish entra na água, quebra o espelho e mostra a Iochanan a vida além de si mesmo. Falar com Eleazar é monólogo.
Falar com Resh Lakish era diálogo
Resta a monotonia do monólogo. Lakish não está mais, somente o espelho. "Onde está você, filho de Lakish?" grita Iochanan. Não haverá filhos de Lakish. Não haverá clones de Iochanan. Lakish morreu, ponto final. E foi Iochanan quem o matou. Iochanan se dá conta disso, enlouquece - e morre.
Quem sabe agora, no mundo espiritual, poderá retomar o diálogo com Resh Lakish? Em vez de buscar a resposta, lachzor liteshuvá, pode ser a chance de Iochanan voltar a perguntar, lachzor lesheelá.
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