segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Re-Bereshit - Re-tornando...

Espero, assim que me organizar, voltar a escrever mais e dar sequência à "segunda temporada" de Urishalaim. Retornei na semana passada a Jerusalém, certo de que nem a cidade é a mesma, nem eu. Muitas mudanças ocorrendo, outras tantas à vista. E vamos em frente!

E fiquei pensando: "morremos" em Iom Kipur, mas fomos inscritos no Livro da Vida - em outras palavras, o ano passado terminou, mas temos a oportunidade divina de retomar a vida nas mãos neste novo ano (5770). Em seguida construímos nossa "primeira morada", a ao mesmo tempo frágil, mas arejada e bem iluminada Sucá, onde todos os amigos são bem vindos. É uma casa muito engraçada, quase não tem teto, quase não tem nada...  Ela precisa de tudo ainda prá deixar de ser Sucá e se tornar Casa, mas já é um início. Então, uma vez inscritos no Livro da Vida e já com as condições mínimas de teto garantidas, podemos iniciar uma nova fase na vida. Que seja para o bem.

Falando em recomeços, compartilho com vocês meu comentário para a parashát Bereshit, a primeira da Torá. Deve sair publicado nas próximas horas no site da CIP e na próxima edição do folheto Congregar, distribuído antes do Shabat, na mesma sinagoga.

abraços e boa leitura


Congregar – Parashat Bereshit outubro 2009 / Tishrê 5770

O nosso mundo é um tohu vavohu, graças a Deus

Logo no início do Gênesis vemos o mundo ser criado em duas frentes: “No início Deus criou os Céus e a Terra.” Esta duplicidade se replica diversas vezes: luz e escuridão, dia e noite, águas de cima e águas de baixo, masculino e feminino. Deus parece estabelecer o mundo como um código binário.

Porém, como sabemos, as coisas não são assim tão simples. No início da Criação – como em todos os inícios e reinícios – tudo na terra estava um tohu vavohu, uma confusão só. Talvez, ao preparar o projeto do mundo, Deus tenha imaginado esta construção matemática perfeita, binária, onde há luz ou escuridão, vivo ou morto, certo ou errado, masculino ou feminino. Mas assim que se inicia o Gênesis a realidade se mostra muito mais complicada e diversa. “A teoria na prática é outra”, costumamos dizer. Há luzes que esclarecem e luzes que cegam, há noites para descansar e escuridões medonhas, águas doces e insalubres, espécies e subespécies de minerais, tipos de plantas e animais que não acabam mais. Os céus, para Platão o mundo ideal, podem bem ser o mundo dos anjos, o mundo binário do “ou isso ou aquilo”. Mas aqui na terra as leis são diferentes. O mundo é o da diversidade, do tohu vavohu, do imprevisível e do criativo.

No sexto dia da Criação, segundo a Torá houve o intuito de Deus de criar o ser humano à Sua semelhança. No entanto, para Rabi Tanchuma, quando o projeto saiu do papel, o ser humano de verdade saiu bem diferente: “Na ocasião em que o Santíssimo, bendito seja, criou o primeiro ser humano, Ele o criou como um gólem..., conforme está escrito: ‘Teus olhos me enxergaram como um gólem...’ (Salmos 139:16)” (Midrash Rabá, 8) Eu, um gólem??? Originário do folclore judaico, cuja aparência lembra a de um ser humano, mas de formas desproporcionais, o gólem não é bom nem mau, porque não tem vontade própria. Seu papel é cumprir ordens e proteger a comunidade dos inimigos. Será que foi para ser um gólem, como diz Rabi Tanchuma, que Deus nos criou?

Para Rav Nachman bar Shmuel, Deus não nos criou como robôs que só cumprem ordens, mas sim com todas as possibilidades existentes da combinação entre iétser hatov e iétser hará, a tendência para o bem de mãos dadas com a tendência para o mal. A este ser humano complexo, ao mesmo tempo bom e mau, Rav Nachman atribui a expressão bíblica “e eis que era muito bom”. Para Martin Buber, a inclinação para o mal é tão boa quanto a inclinação para o bem. Mais do que isso: a inclinação para o mal só será má se vier desacompanhada e será sempre boa quando a sua energia – o impulso para abrir um negócio, dedicar-se aos estudos, voluntariar-se na vida comunitária, investir em um relacionamento amoroso, – vier de mãos dadas com a inclinação para o bem. Por outro lado, a inclinação para o bem, solitária, ficaria levitando no “mundo dos anjos”, sem conseqüências práticas no nosso mundo terreno. “De boas intenções o inferno está cheio”, também costumamos dizer.

Que neste início tenhamos a energia gigantesca de um gólem para começar; e de mãos dadas com ela, todas as melhores intenções para o bem. Porque todo início é um tohu vavohu, mas se ligarmos a pilhas do nosso potencial aos mesmo tempo nos pólos do iétser hatov e do iétser hará, poderemos chegar ao final e dizer: “Foi muito bom.”

Uri Lam, de volta a Jerusalém

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