sexta-feira, 19 de junho de 2009

Parashá desta Semana: Shelach Lechá
Rabino Ruben Sternschein - CIP
[20 de Junho de 2009/ 28 de Sivan de 5769]
Duas religiosidades opostas na mesma Torá
A afirmação de que a religiosidade tira a liberdade do homem pode ser achada ao mesmo tempo no pensamento
critico ateu e na prática fundamentalista religiosa. O filósofo Immanuel Kant, em seu livro “A Religião nos Limites da Simples Razão”, poderia ser o porta-voz do primeiro. Ali, ele acusa a religiosidade de tirar a responsabilidade ética do homem ao motivar o argumento de que, se existe um Deus Todo Poderoso e Justo, tudo acontece segundo Sua vontade e, portanto, tudo que é feito, pelo bem ou pelo mal, concorda com a Vontade Divina. Se Deus tivesse preferido outra coisa, certamente outra coisa teria acontecido. Portanto, nunca, em nenhuma circunstância, teremos culpa ou responsabilidade por nada, se formos religiosos. Também não temos liberdade, porque tudo depende unicamente da Vontade Divina. Essa é a acusação profunda de Kant.


No outro lado desta mesma afirmação está a prática religiosa fundamentalista de qualquer religião, seja judaica, muçulmana ou cristã, segundo a qual as regras são claras e diretas: existem autoridades religiosas que sabem exatamente o que Deus quer em cada situação e, portanto, as pessoas não precisam pensar, mas apenas agir segundo essas regras. No fundamentalismo, o rabino, o imam ou o padre é quem conhece exatamente a vontade divina e, portanto, determina o que tem que ser feito em cada circunstância. A pessoa apenas precisa perguntar e cumprir.

Na parashá da semana, encontramos uma das mais antigas e fortes expressões judaicas que se opõem a esta idéia. Os judeus estão para entrar na terra de Canaã e enviam 12 mensageiros para espiá-la. 10 deles voltam e contam que a terra é dura, que os povos que a habitam são fortes e que será muito difícil e arriscado entrar nela e viver lá. Dois deles dizem - como Herzl o faria séculos mais tarde - que “se a quisermos o suficiente, a conseguiremos”. Grande parte do povo se queixa e pede para voltar ao Egito. Sim, voltar à escravidão.

A tradição interpretativa vê aqui duas escolas religiosas. A primeira é a fundamentalista: tudo depende de forças alheias à nossa vontade. Portanto, tem o que Erich Fromm chamou de Medo à Liberdade. A pessoa não quer ter que escolher, teme e treme diante da idéia de realizar algo por si mesmo, de pensar por si mesmo, porque, desse modo, estaria sempre perante um abismo que sempre seria resolvido por essas forças. No deserto, em Israel, haveria demasiada liberdade, demasiada responsabilidade e, portanto, demasiado perigo. A outra escola religiosa diria exatamente o contrário: estamos na terra para escolher, para fazer a diferença por nós mesmos, mesmo na situação limitada da escravidão e mais ainda no deserto e em Israel.

As regras são desafios que devem ser estudados e reinterpretados em cada situação, sem certezas absolutas. O grande motor da vida em geral, e da religiosa em particular, é não saber e tentar descobrir.

O rabino existe para orientar essa procura, para ajudar a pensar, a ler, a interpretar e a resolver o que fazer em cada situação, mesmo sem saber com certeza absoluta. O rabino ajuda a aceitar a coragem da humildade de quem apenas procura, mas é livre e, portanto responsável. Levinas explicou que no monte Sinai, quando recebemos a Torá, recebemos a imposição da liberdade. A partir desse momento, ficamos para sempre livres e responsáveis. Sempre escolheremos como ler, como interpretar e como agir, mesmo sem certezas absolutas.

A Torá é a forma do judaísmo de expressar a liberdade existencial e a responsabilidade individual a cada instante. Por isso, o judaísmo espera que todos a estudem e a re-interpretem, e não apenas consultem o rabino. Pelo contrário, que o desafiem com grandes perguntas e melhores respostas.

Esse é o enfoque do judaísmo liberal e, por isso, nesta nova etapa da CIP, multiplicamos o estudo e o debate profundo. Contamos com todos porque precisamos de todos o insights para exercer melhor nossa apaixonante liberdade humana.

Shabat shalom!

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