sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O trágico e inaceitável “Yo Argentino”
rabino Ruben Sternschein, proferida no último Shabat parashat Shemot,
na CIP (Congregação Israelita Paulista), a pedidos (e com toda razão)

Uma das expressões que mais me desgostavam e atrapalhavam nos anos em que vivi na Argentina era a que atendia por “Yo, Argentino”. Isso significava, “eu não tenho nada a ver com nada”, ou “eu não vou me envolver no que aconteça com ninguém”, “eu não fiz nada e eu não farei nada, portanto podem me deixar em paz”. Ironicamente, a origem desta expressão parece que veio de uma reação ao anti-semitismo.

Quando perseguiam judeus na Semana Trágica (1919), as pessoas julgavam se salvar dizendo, “Yo Argentino”. Isso era como dizer, “portanto, nada tenho a ver com os judeus, matem-os se quiserem, enquanto que a mim deixem em paz.”

Já a vida em Israel é totalmente ao contrário. Uma das experiências mais difíceis de realizar por lá é passear com um bebê pela rua sem obter milhares de indicações a cada passo: coloque mais roupa, a coitada da criança está morrendo de frio; tire essa roupa, a coitada da criança sente mais calor do que você; abaixe o encosto do carrinho porque tem que deitar a 180 graus; levante o encosto porque senão vai se afogar, e assim por diante. Mais difícil ainda é dirigir um ônibus, porque todos os passageiros têm muitos conselhos e críticas para cada ação do motorista. Ninguém viaja sem opinar. Ninguém vive sem palpitar. A vida israelense é dar opiniões.

Parece que sempre foi assim, que esse é um rasgo judaico. Judeus foram ativos na Revolução Russa em prol dos direitos dos trabalhadores, judeus se voluntariaram na Guerra Civil Espanhola quando quase não morava na Espanha nem um só judeu, para evitar o totalitarismo de Franco; e judeus participaram na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Na parashá Shemot, existe a pergunta sobre como Moisés descobre sua identidade. Ele cresceu no palácio, como soube que ele era judeu? A tradição interpretativa dos últimos dez séculos escolheu que a identidade judaica do judeu mais famoso, mais imitável, mais líder, mais representativo, consiste em escolher se identificar com o sofrimento dos demais, principalmente com as injustiças, para combatê-las mesmo arriscando a própria vida! Isso é para nossa tradição a identidade judaica, uma empatia extrema, um compromisso total.

Talvez seja essa a razão do ativismo judaico na história universal e nas ruas da Israel moderna. Talvez seja a razão pela qual Israel, com seus problemas financeiros, sociais e políticos, seja um dos maiores e mais eficientes países na ajuda humanitária perante desastres naturais (terremotos na Índia, tsunamis na Tailândia), financeiros e políticos na África ou na ex-Iugoslávia. Talvez seja esse o motivo pelo qual o terrorismo mundial vê em Israel e nos judeus os principais inimigos ou pelo menos sempre um bom alvo; quando seqüestram um avião da Air France, ficam em Uganda só os judeus; quando seqüestram ocidentais na Índia, matam primeiro e com verdadeira intenção só os judeus em Mumbai; quando o Iraque lutava contra os Estados Unidos, atirava bombas contra Israel. Assim, Israel é quem luta hoje sozinho contra o terrorismo mundial, no Líbano contra o Hezbolla e em Gaza contra o Hamas. No caminho, carrega a culpa pela morte dos civis que são usados como escudos pelos terroristas, com a morte de seus próprios civis e com a morte espiritual e emocional de seus próprios soldados que, infelizmente, terão de aprender a matar.


Queira Deus que a sensibilidade e a empatia do Shabat iluminem o planeta para que ninguém mais tenha que se defender e todos possam escolher pela vida, própria e dos demais, para honrá-la e vivê-la com dignidade, com amor e em paz.

Rabino Ruben Sternschein

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