quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Visitas a comunidades:
1) Uma sinagoga em Nahlaot: novembro de 2008
Eu queria visitar uma sinagoga de bairro. Haviam me dito que uma delas, praticamente ao lado de casa, seguia o rito Carlebach e fiquei curioso. Cheguei ao serviço religioso por volta das 16:00h – já estávamos no outono. A sinagoga fica no primeiro piso de um pequeno edifício. Quando subi, encontrei uma salinha dividida ao meio por uma mechitsá, na verdade uma cortina, ou melhor, um pano pendurado. De qualquer modo era preciso passar pelo lado das mulheres para alcançar o dos homens. Fui direto, vi de passagem que havia cerca de 3 ou 4 mulheres e, do outro lado, no máximo 10 homens. O Aron Hacódesh (Arca Sagrada) ficava na frente, algumas cadeiras espalhadas em semicírculo, uma pequena biblioteca no fundo com sidurim e outros livros judaicos, uma janela ao fundo. Sentei-me no fundo. Os presentes seguiam com o serviço de minchá e logo entrariam no serviço de cabalat shabat. As pessoas foram chegando e em menos de 15 minutos o lado dos homens estava lotado – depois soube que também o das mulheres, embora menos.


Quando iniciaram Iedid Néfesh comecei a ter idéia do que viria a seguir. Quase todas as tefilot iniciavam com um longo nigun, seguido do canto de cada estrofe de modo intenso, porém em voz mais baixa, e aos poucos aumentando de intensidade, e depois voltava ao canto da melodia, mantendo a intensidade. Enquanto alguns ainda estavam no nigun de uma oração, aquele que puxava a reza e alguns outros já entravam na próxima, fundindo uma oração à outra; aos poucos, todos estavam na nova tefilá.

Em Lecha dodi o formato foi o mesmo, mas no meio das estrofes terminou a luz (falta de energia mesmo). O canto, que já vinha num crescendo, tornou-se então mais forte. A única luz vinha da rua, entrando levemente pela janela ao meu lado. Um rapaz sentou-se ali para conseguir ler o sidur. Os demais seguiram cantando cada vez mais forte, até a última estrofe, de cor. A falta de luz parece ter aumentado a percepção das vozes e da oração, envolvendo-me totalmente. Foi um momento mágico.

Antes do início de Arvit de Shabat uma mulher tomou a palavra e fez um pedido para que as nossas orações fossem feitas com cavaná, em respeito ao shabat, e em seguida fez uma oração. Nós não a vimos, somente escutamos. Em seguida o shaliach tsibur (ou rabino, não sei dizer) disse finalmente algumas palavras sobre a parashat hashavua, e foi só. Em seguida o serviço seguiu como antes.

Ao final, a principal impressão foi de haver muitas pessoas juntas rezando, mas cada um por si, envolvido pelas vozes dos demais. Não rezavam a uma só voz, mas a muitas vozes, na maior parte das vezes dissonantes, no conjunto soando algo como algum tipo de coro experimental psicodélico. Talvez este isolamento dos demais abra espaço para que cada um movimente o corpo, bata palmas, cante mais forte ou grite, sem se intimidar. Seus movimentos e vozes são sentidos pelos demais, mas não são foco da atenção dos outros – à exceção de uns poucos que fazem questão de movimentos tão exagerados que não há como não chamar a atenção. Embora fossem gestos de quem estivesse em êxtase e envolvido com a oração, me pareceu mais serem modos de chamar a atenção dos demais para a sua cavaná, um direcionamento a Deus supostamente mais intenso que o dos demais.

Ao final, após o êxtase, após quase 2 horas e meia de serviço religioso, ficou o cansaço e a vontade de voltar logo para casa. As pessoas se cumprimentavam rapidamente e iam embora. Do outro lado as mulheres já haviam descido e se encontravam com os rapazes para breves conversas em pé, já na rua. Um pequeno e provavelmente precioso momento para o flerte.

Como impressões pessoais, me impressionou o fato de um lugar pequeno e apertado ser tão propício à oração, não havendo literalmente espaço para outra coisa ali, física e espiritualmente. É provável que isso tenha levado os que rezavam a um envolvimento maior, o que trouxe uma sensação de saciedade, digamos, de tefilá.

Senti que gostaria de ver mais isso nas comunidades judaicas liberais, onde muitas vezes o serviço religioso é bonito, mas morno e com menor envolvimento vocal e corporal dos participantes, levando talvez a uma sensação de menor envolvimento espiritual - o que pode não ser verdade. Por outro lado, determinadas pessoas, com seus movimentos bruscos enquanto rezavam ou gritavam – um deles se agarrava à Arca Sagrada e se jogava de um lado para o outro, virando bruscamente o rosto em 180º com um sorriso (para mim) aterrorizador no rosto enquanto fazia isso – me fizeram pensar do que pode ser capaz uma pessoa que reza assim, por exemplo, no campo político e nacional. Tive a sensação que alguém pode sair de uma oração assim e pegar em armas, sentindo-se pronto para uma guerra santa.

Neste sentido, refleti sobre a necessidade de buscar balancear o canto, os movimentos corporais e a concentração durante as orações de modo a chegar à elevação espiritual ou mesmo ao êxtase, mas permanecer consciente e não romper com a realidade. Em outras palavras, penso que gostaria, nas comunidades liberais, de serviços religiosos mais envolventes, mais quentes, mas que não cheguem ao fervor exagerado, para que a consciência e a noção de realidade não saiam voando com a ebulição do fervor. O resultado da oração pode ser catastrófico, levando a atos de fanatismo e de violência. Já o calor - e não o fervor - religioso pode levar ao prazer, ao alívio e à sensação de “baterias recarregadas” para a nova semana, ou para seguir a vida com harmonia, confiança em Deus e consciência da realidade.

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