terça-feira, 1 de junho de 2010

Senhores ou Escravos da Crise? 
Congregar CIP Parashá da semana: Shelach Lechá, Sivan 5770
Uri Lam 
Muitos anos haviam se passado desde o episódio em que o povo de Israel, prestes a receber as Tábuas da Lei, perdeu a paciência, não esperou Moisés descer do Sinai e passou a adorar o Bezerro de Ouro. Moisés, por outro lado, vinha de quarenta dias de isolamento, ele e Deus, no alto do Sinai, talvez no auge da realização de sua missão diante daquela multidão. Missão cumprida, poderia estar pensando. Sob o comando de Deus, aquele velho ex-pastor de cabras os retirou do Egito, das mãos do Faraó, da vida de escravos, e estava prestes a lhes entregar leis que estabeleciam direitos e deveres. Eles eram agora todos iguais, livres! Moisés estava pleno, seus olhos brilhavam, ele conseguira. Mas não. Ao olhar para baixo, lá estavam todos adorando a divindade egípcia. Uma onda de fúria tomou conta de Moisés. E lá se foram as tábuas, as leis, os direitos e deveres ao chão, estilhaçados. Enfurecer-se é mais do que ficar nervoso. É perder as estribeiras, descontrolar-se totalmente. Em vez de compartilhar da fúria de Moisés, Deus, que vê o que se passa de outro ângulo, chama à realidade, ordena que faça um novo par de tábuas e proclama: “O Eterno é um Deus piedoso e misericordioso, demora para se enfurecer...” (Êxodo 34:6)
Agora é chegado o momento de Deus sentir-se realizado. Ele retirou o povo do Egito, das mãos do Faraó, da vida de escravos, entregou-lhes leis e deveres, e agora estava prestes a lhes entregar a Terra de Canaã, que viria a ser a Terra de Israel. Antes ordena que sejam enviados dez dos maiores líderes do povo para irem à frente, a fim de conhecerem a nova terra. Assim como Moisés levara quarenta dias para descer do Sinai, eles levaram quarenta dias para retornarem de Canaã, e com eles cachos de uvas, romãs e figos. “A terra é fértil”, dizem eles a todos, “dela emana leite e mel, porém...” – e sempre tem um porém – “seus habitantes são fortes, suas cidades são muradas, e há filhos de gigantes”. E de uma hora para outra não havia mais leite nem mel. O povo só via gigantes e muros à sua frente e se desesperou. O desespero é outro lado da fúria. “Oxalá tivéssemos morrido no Egito ou no deserto!”
Furioso, Deus se volta para Moisés: “Até quando este povo me irritará, quando acreditará em mim? Vou feri-lo de morte e o exterminarei.” Esta é a vez de Moisés, vendo a situação de fora, chamar Deus à realidade e puxar por Sua memória: “Deus, faça como me disse: o Eterno demora para se enfurecer e é grande em misericórdia”. E Deus respondeu: “Salachti kidevarêcha, perdoarei, conforme tuas palavras”.
Vejamos agora a cena em um diálogo imaginado pelos sábios do Midrash.
Deus: Vou consumi-los na minha frente!
Moisés: Soberano do Universo, Você está furioso. Um escravo − se suas ações fossem boas e escutasse o seu senhor, e este o tratasse com bondade e serenidade − não respeitaria o seu senhor. Porém um escravo de cultura deficiente, ao agir mal, respeitaria o seu senhor quando este o tratasse com bondade e serenidade, conforme está escrito: “Não ligue para a teimosia deste povo, para a sua maldade” (Deut. 9:27).
Deus: Eu os perdoarei graças a você, Moisés.
Há momentos de crise que tiram até Deus do sério. Mas a fúria é como o fogo: descontrolada, não vê nada à sua frente. Consome e acaba com tudo, o que é bom junto com o que não é. A fúria não é a melhor resposta para os momentos de crise, ao contrário, só aprofunda as dificuldades.
A Torá nos ensina que antes de “quebrar as tábuas” ou de botar fogo em tudo, é aconselhável escutar um parceiro de confiança que esteja vendo a situação de fora. A uma certa distância do calor da crise, muitas vezes é possível enxergar onde há água para apagar o fogo, encontrar uma alternativa melhor e perdoar. E o que é perdoar: esquecer? Não. Perdoar é ser capaz de buscar uma solução justa para a crise. É agir como senhor da situação, não como seu escravo, com bondade e serenidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário