segunda-feira, 29 de março de 2010

O sentido universal da Páscoa judaica
Jaime Pinsky
O calendário registra nesta semana a Páscoa dos judeus e a dos cristãos. Ambas as comemorações tiveram a mesma origem, afastaram-se e negaram-se ao longo da história e tendem a aproximar-se novamente. O reconhecimento da origem judaica de Jesus, agora um fato religioso indiscutível, diminuiu bastante o número daqueles que apregoavam distância e até hostilidade entre os seguidores das duas religiões. Resquícios da Idade Média (quando se pregava, em púlpitos de igrejas, massacres contra os judeus pelo fato de estes, supostamente, beberem sangue de garotos católicos em suas ceias de Pessach, a páscoa judaica) fazem parte de um passado que quase ninguém quer reviver. Até a velha malhação do Judas, como metáfora do judeu supostamente traidor, mudou o seu caráter. Agora os Judas de sábado de aleluia são traidores mais reais, facilmente encontráveis no mundo político.
Os judeus fazem hoje à noite uma ceia de Pessach, e tradicionalmente se diz que ela registra "a saída dos judeus do Egito", comandados por Moisés, há uns 35 séculos. Entretanto, não foram encontradas evidências da ida ou mesmo da presença do povo hebreu no Egito, nesse período, mesmo porque ainda não havia um povo hebreu. É difícil, portanto, falar de sua saída. Com certeza poderíamos considerar a travessia (do Egito para a Terra Prometida, da escravidão para a liberdade) um mito de criação, desses que todos os povos, nações, religiões e etnias têm. Claro que havia um grande movimento de povos do deserto atrás do grande oásis que era o Egito, irrigado e fertilizado pelo Nilo. Por vezes eles se integravam e se diluíam entre a população egípcia, por vezes eram expulsos quando seu trabalho não mais era necessário, como ocorre com imigrantes de países pobres em nações mais desenvolvidas. Esses povos devem ter aprendido muito com a civilização egípcia, da qual levaram cultura material e simbólica para outros lugares, como a então terra de Canaã. Algumas tribos com esse histórico desenvolveram língua própria, cultura específica e unificaram-se em um reino, lá pelo ano 1000 a.C., sob o comando de Saul, Davi e Salomão, este poderoso o suficiente para construir o Templo de Jerusalém. Desmandos do poder e injustiças sociais enfraqueceram as monarquias (que haviam se dividido em Israel e Judá) e propiciaram o surgimento dos chamados profetas sociais -Amós e Isaías, entre outros-, que inovaram pregando o monoteísmo ético, conjunto de valores que passaram a fazer parte do patrimônio cultural da humanidade e se encontram na própria base do judaísmo (assim como do cristianismo).
Aí voltamos para o Pessach e nos perguntamos por que essa é uma comemoração milenar. Alguns responderão com o judaísmo institucional, que lamenta até hoje a destruição do Templo de Jerusalém e do poder monárquico, do qual os sacerdotes eram uma espécie de funcionário religioso. Outros acenam com o judaísmo dos escribas, a letra da lei e dos seus intérpretes, que exigem rituais imutáveis. Quem não os seguir literalmente vai "acertar suas contas com Deus nesta ou em outra vida". Esse tipo de judaísmo considera razoável uma dicotomia entre a vida cotidiana e o ritual religioso, bastando seguir este com propriedade para que os pecados, eventualmente ocorridos naquela, sejam absolvidos sem maiores problemas. E os rabis milagreiros, além dos místicos sábios, estariam aí para nos explicar "a" verdade. O problema é que a intermediação entre o judeu e seu Deus é a negação da essência do judaísmo (o monoteísmo ético), que busca igualar todos os homens e os estimula a ler e compreender o que leram, exatamente para ter acesso à palavra divina.
Entre o templo e os escribas, fico com os profetas. Um povo é um grupo com a consciência de um passado comum. Não é fundamental que o passado comum tenha realmente existido, basta a consciência da existência dele: ao escolher a herança judaica, cada indivíduo passa a ser depositário de um universo de valores. Não interessa se há 3.000 anos seus ancestrais já eram judeus, não importa se ele é descendente de cázaros judaizados durante a Idade Média ou de ucranianos convertidos após 1648. Não vem ao caso se optou por seu judaísmo há um ano ou uma semana. O importante não é a origem étnica, nem a lamentação pelo templo destruído e muito menos a prática de rituais mecanicamente executados. A grande travessia, aquela que marcou a humanidade, foi a de um mundo aético para um mundo ético, de um olhar para si mesmo para um olhar para o outro, de uma existência solitária para uma existência solidária. Sim, Pessach é uma travessia. Que só tem sentido se for feita na companhia de todos os irmãos de raça, a raça humana.


Hoje à noite tem Seder de Pessach
E o tempo em Israel virou. Faz um solzinho, mas está frio, o céu carregado e escuro - se fosse São Paulo minha avó diria que vai cair um "toró" em mais 10 minutos, mas nao é o que vai acontecer, pois aqui, afinal de contas, é Jerusalém. E venta como se Deus soltasse ventos pelas ventas...
Mas que vai chover, ah, isso vai.
Enquanto isso, com quem eu falo a garganta doi, a sensação de gripe instalada... fico imaginando como foi para quem estava gripado cruzar o mar vermelho há 3.350 anos mais ou menos...
uma novidade é comer matsá fresca - ou seja, crocante, e por incrível que pareça, saborosa.
Anotem a marca - Matsot Israel, produzido por Rekikei Carmel. 2,5 kg custaram cerca de R$15 reais.
Agora lá vou eu comprar minhas pastilhas prá dor de garganta "cushelepessach" e descansar prá estar inteiro pro seder.
Chag Sameach! 

sábado, 27 de março de 2010

Ioel Moshe Salomon, o Rabino Alado
Aqui uma sugestão do que aconteceu com o rabino Ioel Moshe Salomon quando saiu voando por aí... divirtam-se!



[o rabino Ioel Moshe Salomon chega voando à casa do Dr. Mazaraki]
"Mazaraki! Mazaraki! O fantástico doutor!!! 
"Quem é? Vovó?"
"Sou eu, Ioel Moishe".
"Gutman?"
"Não, não... Ioel Moishe Soilomon".
"Quem é? Zerach Barnet?"
"Não, não! Ioel Moishe Salomon, com a espada na cintura!"
"Eu tinha certeza que você tinha sido morto!"
"Quem me dera! Veja no que me tornei..."
"Quando aconteceu?"
"Quando aconteceu... de madrugada, antes do nascer do sol"
"Como?"
"De repente me nasceram tampampampam... asas de pássaro!"
"Que absurdo! Você veio se vingar!"
"Você se lembra daquela manhã úmida de 1878?"
"Não! Eu me lembro de uma manhã de ventania de 1897. Em uma manhã úmida de 1878 eu não me animaria a levantar da cama. Estava úmido!"
"Pára de discutir comigo. Você não se lembra que fomos dar uma volta perto do rio Yarkon?"
"Digamos que sim."
"Você não se lembra de ter dito 'Se não há pássaros cantando, a morte reina por aqui, vou me mandar, melhor sair daqui rápido'?"
"Digamos que eu disse isso, e aí, eu estava sozinho? Houve outros que se mandaram comigo!"
"Você não se lembra que eu disse com os dois olhos brilhando 'Eu vou ficar à noite aqui sobre esta colina'?"
"Host Guezucht (e o que você quer), então você disse! O que é que eu posso fazer? Você já era adulto, decidiu o que decidiu, que culpa tenho eu?!"
"Que Host Guezucht, Host Gezucht, você não vê o que eu virei?"
"Me diz uma coisa, de onde eu tenho que saber como isso aconteceu com você? Quem sabe é hereditário? Quem sabe tinha que ser assim? Sei lá... o que você fez naquela noite? vai saber se você pegou uma putana na Gueda Hasemalit (clube cultural alternativo em Tel Aviv)?"
"Como você ousa... Eu fiquei ali toda a noite! Eu não sou como você, sou uma pessoa de princípios! Eu lhe digo que 'de madrugada antes do sol raiar... de repente me apareceram, como pássaros, asas prá voar' e você me vem com essa de 'putana da Gueda Hasemalit??? Como você ousa... eu fiquei ali até de manhã... 'e quando a manhã de novo surgiu entre os montes, o vale amaldiçoado se encheu de pássaros a cantar'... e todos eles machos, querendo me 'ferrar'."
"E por que você não voltou?"
"Como eu iria voltar? Com que cara? Assim, com estas asas? Nem gente, nem pássaro... sai um indivíduo de manhã com uma espada na cintura e volta de noite como um frango?! Que cara eu tinha??"
"Chega. Você sabe que não importa, você sabe que não é importante. Com asas, sem asas, é só a aparência, e aí?"
"Não é verdade, eu sou um monstro!"
"Você não é um monstro... vem, vem, senta, eu vou te dar um pouco de migalha de pão... você ainda vai ver... quando o rio Yarkon estiver no máximo de sua vazão, os pássaros ainda estarão cantando para Ioel Moishe Salomon... 'Numa manhã úmida de 1878, na época da colheita das uvas, saíram de Iafo em seus cavalos, os cinco cavaleiros...' "


Bom, esta é apenas uma versão do que aconteceu com o rabino alado Ioel Moshe Salomon... mas ninguém sabe ao certo o que aconteceu :-)
Chag Pessach Sameach
A Balada de Ioel Moshe Salomon
A famosa canção, com letra de Ioram Taharlev e música de Shalom Chanoch, marca para alguns o início da época das baladas e do rock israeli. Arik Einstein a cantou em ritmo que puxa mais para o country - realmente me parece difícil chamar isso de rock, no máximo uma clara influência da música americana do final  dos anos 1960.
Petach Tikva
A canção conta uma lenda relacionada com a cidade de Petach Tikva, fundada por colonos judeus ortodoxos vindos da Cidade Velha de Jerusalem. David Gutman, Iehoshua Stampfer e o rabino Ioel Moshe Salomon - a quem se juntou Zerach Barnet - compraram terras pantanosas dos habitantes árabes da aldeia de Uhm-Labes, ali se instalaram, e no dia 8 de julho de 1878 fundaram a cidade de Petach Tikva. o nome é inspirado em uma passagem do livro do profeta Hoshéa (Oséias): "E dali lhe devolverei seus vinhedos e lhe abrirei uma Passagem de Esperança [Petach Tikva]"(Oséias 2:17).
Junto com a aldeia de Rosh Piná (fundada algumas semanas antes), Petach Tikva foi a primeira colônia dos tempos modernos na Terra de Israel.
A canção se baseia em um relato segundo o qual Gutman, Stampfer, Barnet e o rabino Ioel Moshe Salomon foram se aconselhar com o Dr. Mazariki, que vivia em Iafo, antes comprar as terras dos aldeões árabes. o médico os acompanhou para ver o terreno pantanoso, observou, pensou, e teria dito: “Estive parado todo o tempo aqui observando o céu, para ver se havia pássaros voando, mas não vi nenhum. Por outro lado, esta terra tem grãos espalhados, minhocas, insetos e répteis de todo tipo, e todos eles servem de alimento para os pássaros, por isso não há explicação do por que eles não existem por aqui.. Talvez as aves sigam seu instinto natural e não se aproximam daqui para se preservarem. Melhor sair daqui, meu amigos, este não me parece ser um bom lugar, ele devora seus habitantes".
Apesar das advertências, o terreno foi comprado. De fato muita gente morreu de malária, mas o rabino Salomon foi daqueles que decidiu ficar, e hoje Petach Tîkva é uma importante cidade da região central do Estado de Israel.
Mas vamos à canção - que faz parte dos meus estudos rabínicos sobre música israelense e judaísmo. Shavua tov, e Chag Pessach Sameach
A Balada de Ioel Moshe Salomon

הבלדה על יואל משה סלומון (1969)
מילים: יורם טהר לב
לחן: שלום חנוך
בבוקר לח בשנת תרל"ח, עת בציר הענבים,
יצאו מיפו על סוסים, חמשת הרוכבים.
שטמפפר בא וגוטמן בא, וזרח ברנט,
ויואל משה סלומון, עם חרב באבנט
איתם רכב מזרקי , הדוקטור הכסוף,
לאורך הירקון הרוח שר בקני הסוף
ליד אומלבס הם חנו, בלב ביצות וסבך,
ועל גבעה קטנה טיפסו, לראות את הסביבה.
אמר להם מזרקי , אחרי שעה קצרה:
"איני שומע ציפורים, וזה סימן נורא.
אם ציפורים אינן שרות, המוות פה מולך,
כדאי לצאת מפה מהר, הנה אני הולך".
קפץ הדוקטור על סוסו, כי חס על בריאותו,
והרעים שלושתם יצאו, לשוב לעיר איתו.
אמר אז יואל סלומון, ושתי עיניו הוזות:
"אני נשאר הלילה פה, על הגבעה הזאת".
והוא נשאר על הגבעה, ובין חצות לאור,
פתאום צמחו לסלומון, כנפיים של ציפור.
לאן הוא עף, לאן פרח - אין איש אשר ידע,
אולי היה זה רק חלום, אולי רק אגדה.
אך כשהבוקר שוב עלה, מעבר להרים,
העמק הארור נמלא, ציוץ של ציפורים.
ויש אומרים כי עד היום, לאורך הירקון,
הציפורים שרות על יואל משה סלומון.




A Balada de Ioel Moshe Salomon
Letra: Ioram Tahar-Lev
Música: Shalom Chanoch
Tradução/Versão: Uri Lam
Em uma manhã nublada de 5638 (1878),
na época da colheita das uvas
partiram de Iafo em seus cavalos, os cinco cavaleiros.
Stampfer foi, Gutman foi, e Zerach Barnet
E com espada na cintura, Yoel Moshe Salomon.
Com eles viajava Mazaraki, o fantástico doutor,
Ao longo do Yarcon o vento zunia entre o canavial
Perto de Uhm’Labes pararam no meio do pantanal
E subiram numa colina, para olhar ao redor.
Não passou muito tempo e Mazaraki lhes disse:
“Não ouço pássaros, péssimo sinal.
Se não há aves cantando, por aqui reina a morte e o mal
eu vou me mandar − melhor sair rápido daqui”.
O doutor saltou sobre seu cavalo, temendo pela saúde,
E os outros três medrosos voltaram com ele prá cidade.
Então disse Ioel Solomon, seus dois olhos a brilhar:
"Esta noite sobre esta colina eu vou ficar”.
E ele ficou na colina − e à noite, antes do sol raiar
De repente, como ave, em Salomon havia asas prá voar.
Prá onde voou, onde foi parar – ninguém saberá,
Talvez foi somente um sonho ou uma lenda – quem dirá?
Mas quando o dia nasceu de novo entre os montes,
o amaldiçoado vale estava cheio de aves a cantar.
E há quem diga que até hoje, ao longo do Yarkon,
As aves cantam a história de Ioel Moshe Salomon.