O Terceiro Livro dos Reis (Melachim Guimel) - A Bíblia no Divã
Comecei a ler o livro da escritora israelense Iochi Brandeis, Melachim Guimel (3 Reis, em referência aos livros bíblicos 1 Reis e 2 Reis). Trata-se de um romance histórico inspirado não só na Bíblia, mas nos midrashim, textos rabínicos clássicos da tradição judaica que, por assim dizer, dialogam com o texto bíblico. Como se a Bíblia se deitasse no divã dos protopsicanalistas rabínicos e, com a ajuda destes, se lembrasse de fatos que não foram contados na versão aceita, oficial, e assim, preenchesse os vazios da memória bíblica em meio ao processo psicoterapêutico. Apenas comecei, mas já deu prá entender porque este livro vem encantando os israelenses.
A história começa contada por um garoto, Shlom'am, cuja família descende da dinastia de José. Sua mãe, Bil'há, é uma mulher bondosa, que costuma visitar as cavernas onde vivem os afetados pela tsaráat, doença de pele comumente traduzida por lepra. O pai de Shlom'am, por sua vez, teme o tempo inteiro os soldados da tribo de Iehudá, que ao mesmo tempo em que proíbem as festas particulares das demais tribos e os sacrifícios em seus próprios templos regionais, arrecadam à força impostos para a construção do Templo Sagrado de Jerusalém, que deveria ser desde então o Templo central e exclusivo de todo o povo de Israel.
Neste clima de tensão, em que a construção de um reino centralizado não se dá de modo pacífico entre as tribos que o compõem, vive Shlom'am, um menino corajoso e inteligente que incorpora a resistência na manutenção de tradições que vêm sendo sufocadas em nome de uma única tradição, de "um único modo de ser judeu", para usar uma expressão tão atual. Shlom'am me parece dar voz ao dito hoje comum entre judeus religiosos liberais: "Há mais de um modo de ser judeu".
Compartilho com vocês duas passagens que me chamaram a atenção até agora, além da delícia que é ler como Brandeis escreve e o prazer que é para mim ler em hebraico.
1) Histórias são armas de guerra mais poderosas do que as armas de destruição. As armas podem matar apenas quem se colocar diante delas, mas as histórias determinam quem viverá e quem morrerá, inclusive nas futuras gerações.
2)Perguntei a mim mesmo se eu também pensaria assim em minha irmã caso acontecesse comigo algo ruim, e fiquei envergonhado das palavras maldosas que disse sobre a Leprosa. Para consertar meu erro citei em voz alta tudo o que aprendi de minha mãe - que nosso Deus envia a lepra como uma prova sobre a comunidade e por isso esta atinge exatamente os mais justos, porque só eles são capazes de aceitar sobre si mesmos as dificuldades com amor. Assim foi com Miriam, a irmã mais velha de Aarão e Moisés, que adoeceu no meio da peregrinação no deserto, e só depois que os israelitas cuidaram dela e se preocuparam com ela, Deus se fez presente e entendeu que eles eram dignos de entrar na Terra de Israel.
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