Emuná - "Carlebach era como um avô para nós"
Hoje, andando pelas ruas do meu bairro, fixei os olhos em um cartaz muito bonito, com desenhos em pastel. Anunciava cursos para mulheres. Segui em frente - afinal, não era para mim - quando a porta se abriu e uma mulher me chamou:
"Olá querido, seja bem vindo! Entre, entre!"
"Obrigado, vi que é um curso para mulheres."
"Mas eu também tenho grupos de homens e mulheres, nos reunimos todas as 4as feiras aqui em casa. Eu adoro ensinar!"
Assim seguiu a conversa com uma mulher que me parece ter uns 50 anos. Ortodoxa sem dúvida, com um lenço na cabeça, mas o vestido colorido apontava para algo que eu já sabia, tinha ouvido falar, vi de longe - mas ainda não havia tido contato direto: os ortodoxos "freaks", algo entre chassidismo e movimento hippie. Imagino que seja o mais próximo dos sonhos do Baal Shem Tov.
Ela fez questão de me servir um chá de jasmim. A casa antiga, móveis antigos, pintura desgastada, estantes de livros em todas as paredes com livros judaicos do teto ao piso. Um leve odor de ambiente fechado com incenso. Uma das filhas deitada no sofá, lendo jornal. Fotos na parede: Carlebach, o rabino Carlebach, cercado de crianças e uma jovem muito bonita ao seu lado.
"Esta sou eu e estas são minhas crianças."
"Parabéns, Baruch Hashem", completei, "Quantos filhos você tem?"
"Quatorze".
Quase caí prá trás. Achei que não havia compreendido direito, que meu hebraico havia me traído.
"Como? Está falando dos seus alunos, é uma turma de 14 alunos às quartas feiras?"
Ela riu - aliás, um riso arrastado e suave, quando então notei os olhos caídos e brilhantes. Me senti por um momento em Arraial D´Ajuda, Visconde de Mauá, Chapada dos Guimarães, mas estava em JerusaWoodstock. E ela se divertia com a minha surpresa.
"Tenho várias filhas casadas, três filhos no exército, outros quatro em diferentes yeshivot, estão por aí... e os demais moram comigo. E depois que eles se foram me sentia sozinha, e decidi dar aulas! São aulas de chassidut, é lindo, você vai gostar. Bom, você está certo, também são meus filhos! Hoje não darei aulas porque uma das minhas alunas irá se casar, e casamento é mais importante do que aulas!!!"
E sorri, e ela sorriu de volta e riu suavemente, o mesmo riso arrastado, leve, "alto". A tranquilidade e a doçura em pessoa. O incenso, ou o que seja, era levemente adocicado.
"E o que você está fazendo em Israel, passeando?"
"Estou cursando meus estudos rabínicos."
"Baruch Hashem!!!" os olhos brilharam.
"No HUC, conhece?"
"Ah sim, Yahadut Mitkademet (judaísmo progressista/reformista), que bom, quantos anos são?"
"4 anos".
Eu me surpreendi por ela não ter se surpreendido que eu estudava para ser rabino reformista. Não se irritou, não virou a cara. Apenas sorriu e os olhos brilharam, e agradeceu a Deus.
Pensei: mais alguém que entende que somos todos iguais, todos judeus, que há mais de um modo de ser judeu, e que apesar de sermos diferentes, podemos estudar juntos, sermos amáveis juntos.
"Puxa, então nos encontraremos muito ainda! Já tive alunos do Schechter (conservador) e do HUC, fiquei tão feliz com a doçura e com o conhecimento deles. Enfim, graças a Deus todos estudando Torá, não é lindo?"
Ela parecia definitivamente ter vindo de Visconde de Mauá. Uma idishe Visconde de Mauá.
"Meu nome é Uri, prazer, e o seu?"
"Emuná".
"Este é Carlebach, você conhece?"
"Claro, adoraria ir a uma sinagoga com rito Carlebach".
"Tem uma aqui perto, é maravilhoso! Ele vivia por aqui sabia? Éramos muito próximos. Era como da família, um avô para todos nós." E me mostrou várias fotos na parede com o rabino Carlebach.
Nunca me senti tão próximo de Carlebach. E pela primeira vez vi uma mulher com quatorze filhos, e pela primeira vez vi que isto não era um peso para ela. Para Emuná, a simplicidade, os filhos e os estudos eram uma benção. Puro chassidismo. Ah, se todos os que se dizem chassidim fossem como Emuná...
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