terça-feira, 16 de janeiro de 2018


Kavaná – para onde andar com fé



Compartilho com vocês esta história, transmitida por um de meus mestres prediletos, Reb Zalman Schachter-Shalomi, de abençoada memória. Conta-se que um carismático rabino conhecido como o Baal Shem Tov, foi até uma sinagoga, chegou até a porta, deu meia volta e voltou. Quando perguntado por que agira assim, ele respondeu: “Há muitas orações lá dentro”. “Mas Mestre”, perguntaram seus seguidores, “não é bom que a sinagoga esteja cheia de orações?” “Sim, é evidente”, respondeu o Baal Shem Tov, “o problema é que as orações estão presas lá dentro. Nenhuma delas chega ao céu.”
No entanto, a impressão que tenho é que, muitas vezes, as orações ficam presas às paredes dos templos. Se não chegam aos céus, no mínimo deveriam acompanhar as almas daqueles que os frequentam. Quando rezo na minha sinagoga, o que eu gostaria é de entrar de um jeito e sair com a alma mais elevada, pisando em nuvens. E gostaria de levar aqueles e aquelas que me acompanham a um novo estado de alma, mais elevado e ampliado. Nem sempre isso acontece.
Em hebraico, temos uma palavra para descrever o veículo que leva nossas orações até o céu: Kavaná. Significa orientar nossas orações para um caminho específico; significa estar plenamente concentrado na intenção da oração dita.
Meu desejo para você, leitor(a) é: seja qual for sua religião ou sua convicção no que for: em Deus, no seu trabalho, no seu amor, na sua arte – faça com kavaná. Ande com fé, como diz Gilberto Gil – mas determine, com kavaná, para onde sua fé andará: que seja para além dos muros dos templos.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Diálogo Inter Religioso em Uberlândia, MG

Fórum para o Diálogo Inter-Religioso
Faculdade de Direito, Universidade Federal de Uberlândia
19 de novembro de 2015

A Advocacia-Geral da União, representada pelo Diretor Regional do Rio de Janeiro, participou do Fórum de Diálogo Inter-religioso, promovido pela Universidade Federal de Uberlândia e pela Organização das Nações Unidas, realizado no dia 19 de novembro, na Faculdade de Direito da UFU.
O fórum é uma iniciativa que pesquisa os diversos modelos nos quais o Estado se posiciona em face de sua ordem religiosa. Participaram do evento, diversos representantes religiosos, dentre os quais o Cônego José Bizon, representante da diocese de São Paulo e da Casa de Reconciliação, teólogo e professor da PUC/SP, o engenheiro Naim Eghrari, membro da Congregação Bahá'i do Brasil, o rabino Uri Lam, da Congregação Israelita Mineira, entre outros. O Diretor Regional da EAGU, Leonardo Vizeu Figueiredo, representou a AGU no evento e prestou toda a consultoria jurídica sobre o modelo de Estado Laico constitucionalmente estabelecido, além de representar a fé espírita do Brasil.
Todos os debates foram mediados pelo Professor Rodrigo Vitorino, da Universidade Federal de Uberlândia. "Há que se estabelecer o diálogo entre os diversos segmentos de fé religiosa para conseguirmos realizar a tolerância que todos almejam. A Constituição da República trata, no mesmo patamar de importância, a liberdade de convicção política, filosófica e religiosa. Faz-se necessário debater o tema, ainda mais nos dias de hoje. É papel fundamental da Advocacia-Geral da União construir as pontes de diálogo entre o Poder Público e a sociedade civil." - esclareceu o Diretor Regional da EAGU/RJ, Leonardo Vizeu Figueiredo.
Esse ano, a Escola da Advocacia-Geral da União do Rio de Janeiro sediou um dos eventos do Fórum da ONU de Direito e Religião, recebendo pesquisadores de Oxford e da Universidade Hebraica de Israel. (baseado em divulgação - EAGU)

abaixo: Notas do rabino Uri Lam, Congregação Israelita Mineira

Da Declaração de Independência do Estado de Israel (14 de maio de 1948)
De acordo, nós, membros do Conselho do Povo, representantes da Comunidade Judaica de Eretz Israel e do Movimento Sionista, estamos aqui reunidos no dia de término do Mandato Britânico sobre Eretz Israel e, por virtude de nossos direitos naturais e históricos e pela força da resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, aqui declaramos o estabelecimento do estado judeu em Eretz Israel, a ser conhecido como Estado de Israel.
Declaramos que, vigorando a partir do término do Mandato a esta noite, véspera de Shabat, 6 de Iyar de 5708 (15 de maio de 1948), até o estabelecimento das autoridades eleitas, regulares do Estado em acordo com a Constituição que será adotada pela Assembleia Constituinte Eleita no mais tardar em 1o. de outubro de 1948, o Conselho do Povo atuará como Conselho Provisório do Estado, e seu órgão executivo, a Administração do Povo, será o Governo Provisório do Estado Judeu, a ser chamado "Israel."
O Estado de Israel será aberto para imigração judaica e para a o recebimento de exilados; patrocinará o desenvolvimento do país para o benefício de todos os seus habitantes; será baseado na liberdade, justiça e paz como imaginado pelos profetas de Israel; garantirá liberdade de religião, consciência, língua, educação e cultura; respeitará os lugares sagrados de todas as religiões; e será fiel aos princípios da Ata das Nações (...)
Véspera de Shabat, 5 de Iyar de 5708 (14 de maio de 1948).

Autoridade Religiosa, quem manda? (trechos selecionados)

(in Neil Gillman, Fragmentos Sagrados, Editora Comunidade Shalom - SP)
- No judaísmo, a autoridade da Torá afesta mais nosso comportamento do que nossa crença. Códigos de leis são onipresentes nas páginas da literatura judaica desde o Pentateuco até os nossos dias.
A palavra usada para o corpo de mitzvot (mandamentos) considerado como um todo é Halachá – o “modo” de vida judaico.
- Quando nossos antepassados tentaram entender sua identidade especial e seu destino no mundo, eles se referiram a uma instituição chamada Brit ou Pacto, que consideravam ter sido estabelecido com o Deus de seus antepassados (...) as mitzvot atribuem concretude ao sentido de pertencer ao pacto. Deut. 29:9-14 lembra-nos de que este Pacto de Deus foi feito não apenas com aqueles que estiveram no Sinai, mas também “com aqueles que não estão conosco neste dia”, isto é, conosco.
Devemos questionar a nossa confiança em nosso próprio julgamento sobre o que é o bem e o mal, em qualquer situação concreta. A Bíblia supõe que a intuição humana está longe de ser infalível. O que Deus quer de mim agora? A resposta é: a mitzvá (uma referência objetiva).
- O Deus de Mordechai Kaplan: fonte da Revelação, inteiramente moldado pela comunidade humana, que se torna a fonte da autoridade sobre o que foi revelado – assim como a perspectiva da comunidade muda com o tempo, a Torá (a interpretação) tb muda. A mitzvá deixa de ser vista como lei e passa a ser vista como voluntária e consensual.
- A. J. Heschel: a Torá é o entendimento de Israel da revelação de Deus, e não a comunicação explícita de Deus. O que temos é o nosso melhor entendimento do que Deus determina. Logo, a autoridade mudou: de Deus para a comunidade viva de Israel. A tarefa autentica e legítima desta comunidade é enxergar o que Deus nos pede a cada geração.
Diferença na pluralidade judaica: divergem sobre quais das mitzvot ainda são obrigatórias, quais não são mais, e que novas mitzvot deveriam ser adotadas, de acordo com qual autoridade e quando. Ex.: o papel da mulher na vida religiosa.

Viver sem Etiquetas, rabino Damián Karo (Ediciones b – Argentina)
trad. Uri Lam
Ao saber que alguma característica não é nem eterna (já que nem sempre foi assim nem seguirá sendo invariavelmente) nem universal (já que nem em todos os lugares há sociedades que tenham criado a mesma cultura), teremos a capacidade de ver alguém distinto com respeito e podermos nos enriquecer, conhecendo diferentes formas de viver. Assim como também nossa identidade não será afetada se tivermos consciência de que esta é somente produto de uma cultura mais entre outras tantas.

Visões Judaicas sobre Liberdade Religiosa
Os judeus têm apoiado a separação entre Religião e Estado como integrante da proteção à liberdade religiosa de todos. (...) Nem mandatos bíblicos nem determinações rabínicas explicam completamente o forte empenho da comunidade judaica com a liberdade religiosa e a separação entre Religião e Estado. Pelo contrário, é a experiência histórica que demonstra que o povo judeu sofreu a perseguição religiosa no passado, quando os governos eram controlados por uma religião particular.
Como cidadãos, é claro, aceitamos e respeitamos as leis do país, incluindo as leis que incluam disposições que nos deixaram e nos deixam apreensivos. No entanto, reafirmamos nossa posição de longa data de que o princípio da separação entre Religião e Estado é melhor para ambos e é indispensável para a preservação do espírito de liberdade religiosa. Através da história, aprendemos que tanto a religião e o Estado florescem melhor quando permanecem separados. Nos Estados Unidos, por exemplo, nós judeus somos livres para buscar a nossa fé e para organizar nossas vidas comunitária, iguais sob a lei e na prática, sem interferência do governo. Os Estados Unidos, por meio de sua Constituição, criaram um sistema de liberdade religiosa que em geral tem se provado justo e eficaz, um sistema que os judeus americanos desejam preservar.
O acolhimento da liberdade religiosa nos Estados Unidos produziu a nação mais religiosamente pluralista da história. O sucesso desse ousado experimento em liberdade não pode ser negado, mas seu futuro está sempre em risco.

domingo, 22 de novembro de 2015

A Paris, Mali, Beirute e Tel Aviv, com amor

Coluna semanal no jornal Correio de Sergipe
Rabino Uri Lam, Congregação Israelita Mineira (CIM), Belo Horizonte, MG
Tantas tragédias ocorrendo: Malis, Paris, Beirutes, Telavives - além, claro, da tragédia de Marianas, desembocando lama nos Atlânticos. No plural, porque a tragédia acomete as pessoas, as casas, os animais, os rios, os teatros, cinemas, as almas. O impulso de morte corre à solta com o uso sorrateiro, clandestino, estúpido da religião como pano de fundo. Enquanto isso, nos últimos dias, me pedem para falar de amor. Amor a Deus, amor entre seres humanos, amor ao próximo – seja ele de fato próximo ou distante. Amor a Deus – diz a minha tradição, a tradição judaica – se realiza ao amar o outro. Por comparação, o ódio, o desejo de matar e a realização do ato de matar, mesmo que para isso se saiba que vá morrer, é o oposto do amor. Não; é a falta, a ausência de amor ao ser humano, à vida fora de si mesmo, à vida dentro de si mesmo. Uma religião que fala em Deus não tem como mirar o assassinato de seres humanos; até onde sei, as religiões monoteístas ocidentais entendem que, ao matar um ser humano, diminui-se a presença de Deus no mundo.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O Livro de Abrahão

by Grzybowski & Goldman
Parashat Lech Lechá (Gênesis)

Por me debruçar tantas e tantas vezes sobre os midrashim – textos rabínicos que, por assim dizer, complementam e comentam, subvertem o texto da Torá e o viram de ponta cabeça, buscando significados extras nas meias palavras e somando histórias e diálogos entre as “falhas de continuidade” – já não posso mais imaginar a Torá sem a leitura fértil desses brilhantes comentaristas que proliferam desde os tempos talmúdicos até os dias atuais. Eles e elas vão tão longe que levam o sentido do texto aos limites da criatividade: se assim como está escrito no Gênesis, no início Deus criou os céus e a terra, os “midrasheiros e midrasheiras” do nosso povo interpretam desde os grãos de areia à beira do mar até as estrelas no céu.
O filósofo Yeshayahu Leibowitz (1903-1994) também adorava midrashim. Em um de seus comentários, Leibowitz traz um midrash que busca justificar o papel central de Abrahão no primeiro livro da Torá através de um interessante jogo de palavras:

אֵלֶּה תוֹלְדוֹת הַשָּׁמַיִם וְהָאָרֶץ בְּהִבָּרְאָם.

“Eis as origens dos céus e da terra behibarám (ao serem criados)…” (Gênesis 2:4)
Os rabinos dos tempos talmúdicos se deram conta de que a palavra hibarám continha as mesmas letras do nome do primeiro patriarca: é só trocar a primeira letra hebraica, He, pela penúltima, Alef – e temos Avraham. Conclusão? Podemos ler este versículo da seguinte forma: “Eis as origens dos céus e da terra para Avraham”.

Por esse ponto de vista, a criação do universo e das primeiras 29 gerações da humanidade foram tão somente a pré-história, a preparação necessária para o surgimento do primeiro ser humano consciente da existência de um Deus único: Abrahão. Uma visão um tanto “Abrahãocêntrica”, não é? De qualquer modo, para Leibowitz, o livro de Gênesis tem na figura do primeiro patriarca de Israel o pivô da história, o que justifica denominar o Gênesis de “O Livro de Abrahão”. De fato, a história do povo judeu começa com Abrahão e Sara. Somos bnei Avraham, descendentes de Abrahão.

Leibowitz continua: “Nosso patriarca Abrahão não viveu no mesmo mundo pré-histórico de intervenção divina continuada, que modificava as leis da natureza, mas sim no mundo pós-dilúvio, que é um mundo que se conduz por si mesmo; e num mundo assim é preciso que o indivíduo conheça Deus por seu próprio esforço… a posição do ser humano diante de Deus não é iniciada por Deus, mas sim pelo ser humano”.

A partir de Abrahão e Sara inaugura-se o período no qual o ser humano deve descobrir Deus através do seu intelecto, da sua capacidade de sentir e de suas ações. Ao receber a ordem “Lech Lechá”, “Vá para si mesmo” (Gênesis 12:1), aos 75 anos Abrão parte em uma viagem arriscada para uma terra que não conhece: uma viagem de crescimento pessoal. Ele parte rumo ao desconhecido e terá que aprender que, muitas vezes na vida, aprende-se a caminhar caminhando: Abrahão terá que se arriscar – às vezes irá acertar e outras vezes, errar. Bem vindo à vida!

A responsabilidade aumenta na medida em que Abrão (ainda sem h) não seguirá sozinho: ao seu lado estão a esposa Sarai, o sobrinho Lot – e todas as “almas que fizeram em Haran” (idem 12:5). O midrash nos conta que estas “almas” eram gente politeísta, isso é, que dirigiam suas práticas religiosas aos astros; mas que foram convertidas por Abrão à nova crença monoteísta: Abrão convertia os homens e Sarai convertia as mulheres. Muito diferente do que imaginamos hoje em dia, o povo de Israel tem na sua origem a prática de converter pessoas à sua crença em um Deus único. Foi com essa gente que Abrão chegou a Canaã.

Logo no início do caminho vem um duplo desafio: por conta da fome em Canaã, foi preciso descer ao Egito. Parte do desafio recai não sobre Abrão, mas sobre todos nós – vejamos: o patriarca pede à sua esposa, Sarai que, ao ser abordada pelos egípcios, apresente-se como sua irmã, porque sendo ela uma mulher muito formosa, os egípcios poderiam matá-lo para a entregarem ao Faraó por mulher.

Qual é o nosso desafio? imaginar como Sarai, então com 65 anos, poderia ser considerada uma mulher jovem e atraente para o Faraó. Isso será possível somente se tivermos a liberdade de imaginar que: (1) Abrão e Sarai estavam muito bem conservados para a idade; ou (2) a idade bíblica não corresponde exatamente à idade tal como contamos hoje em dia.

Já o desafio de Abrão é adotar a decisão mais acertada diante das circunstâncias. Como saber? Alguns sábios da Idade Média dirão que Abrão errou ao pedir que sua esposa se apresentasse aos egípcios como sua irmã: foi um sinal de fraqueza, pois não confiou que Deus poderia defendê-lo de uma provável agressão dos egípcios (só mais adiante Abrahão irá até o fim numa situação de perigo mortal, quando chega às vias de fato para sacrificar o próprio filho, Isaac, mas é impedido por um anjo). No final das contas, Abrão acaba se saindo bem: o Faraó é punido por Deus por tentar algo com Sarai, entrega-a de volta para Abrão e os manda embora do Egito, carregados de gado, prata e ouro.

O segundo desafio de Abrão foi saber lidar com o sobrinho Lot, que por sua vez também encontrou o seu modo de acumular ovelhas, vacas, tendas e pastores… Desde aqueles tempos, pode-se dizer que muita riqueza nem sempre traz felicidade; pode também trazer muitos problemas. Abrão opta pelo caminho da paz – separa-se de Lot; vai cada um para o seu lado. Desta vez parece que a decisão foi acertada: só depois de se separarem, Deus o abençoou e à sua descendência: “A terra que você vê, eu a darei para você e para seus descendentes para sempre. Farei a sua descendência como o pó da terra…” (Gênesis 13:15-16)

O povo de Israel nunca foi dos mais numerosos. Hoje em dia somos uma parcela quase insignificante da população mundial: cerca de 14 milhões num mundo de 7 bilhões. Se somos como o pó da terra, comparados à humanidade somos como um punhado de areia. Tenho dois grandes amigos, Grzybowsky e Goldman, que interpretaram esta passagem com muita sensibilidade e poder de síntese em seu livro em quadrinhos “Bíblia Versão Não Autorizada”. Nele há um quadro no qual Abrahão aparece mirando o céu, coberto de estrelas de seis pontas, cruzes e estrelas-e-luas – símbolos respectivamente do judaísmo, cristianismo e islamismo. Abrão aparece pensando, num canto: “Que meus filhos nunca esqueçam que são irmãos”.

Outros desafios estavam à espera de Abrão: guerras e mais guerras; seu sobrinho Lot é sequestrado e Abrão o resgata. Mais adiante, no horário do crepúsculo, Abrão caiu em sono profundo no qual escutou Deus dizer o que iria acontecer com seu povo no futuro: eles iriam para uma terra estranha onde seriam escravos por 400 anos, mas Deus julgaria a nação opressora e faria com que saíssem de lá com grande riqueza – um resumo do período de escravidão, libertação e êxodo do povo de Israel no Egito desde os tempos de José (bisneto de Abrahão) até a época de Moisés: em outras palavras, temos aqui a síntese do que viria a ocorrer na Torá até o início do Êxodo. Quando já era noite, Deus estabeleceu uma aliança com Abrão, prometendo à sua descendência um território enorme, muito maior do que o do Estado de Israel hoje: do rio Nilo (Egito) ao rio Eufrates (nos atuais Iraque, Turquia e Síria). Há quem sonhe até hoje com a “Grande Israel” bíblica.

Se na vida pública, por assim dizer, a vida de Abrão não era fácil, na vida pessoal as coisas não eram mais simples. Depois de dez anos em Canaã, Sarai não engravidava. Na esperança de ter filhos, Sarai entregou sua serva, a egípcia Hagar (segundo o midrash, uma princesa entregue a Abrão como serva, parte da riqueza acumulada no Egito) ao marido. Não demorou muito e Hagar engravidou, o que gerou muita raiva em Sarai, por se sentir desprezada pelo marido. Maltratada por sua senhora, Hagar partiu para o deserto, onde teve seu filho, que recebeu de Abrão o nome de Ismael.

Foi somente treze anos depois que Deus voltou a falar com Abrão, mudou seu nome para Abrahão e o de Sarai para Sara, prometeu-lhes um filho e estabeleceu com eles uma nova aliança (brit) marcada pela circuncisão (milá) dos homens. Depois de passar por tantos desafios, Abrahão riu-se do que parecia sobrenatural e pensou: “Sendo eu da idade de cem anos, nascerá um filho? Sendo Sara da idade de 90 anos, dará à luz?” Deus confirmou: “Sara, sua mulher, dará à luz um filho e você o chamará de Isaac; estabelecerei Minha aliança com ele – uma aliança eterna – e com a sua descendência depois dele.” (Gênesis 17:17-19) No mesmo dia, Abrahão e Ismael foram circuncidados, assim como todos os homens da sua casa e os estrangeiros que viviam com eles.
Abrahão viveu 25 anos intensamente, entre os 75 e os 100 anos de idade. Se dividíssemos as idades de Abrahão e Sara pela metade, talvez a história soasse mais verossímil à lógica dos nossos tempos: ao descerem para o Egito, Sarai seria uma bela mulher no auge dos seus 32 ou 33 anos, chamando a atenção dos egípcios e colocando a vida de Abrão em risco; e seria difícil, mas não impossível, ela engravidar aos 45 anos. Talvez, dada a intensidade da vida do primeiro casal hebreu, cada ano tenha sido vivido como se fossem dois!

Numa leitura psicológica, podemos ver o tempo de modo subjetivo: “Vá para si mesmo”, o tempo de amadurecimento existencial, não deve ser contado em anos objetivos. Cada indivíduo determina o próprio tempo de desenvolvimento existencial, independente da sua idade física. E ao que parece, aos 100 anos e aos 90 anos respectivamente, Abrahão e Sara estavam na flor da idade, prontos para encarar novos desafios, prestes a iniciar a vida em família. Um novo ciclo os espera.

Rabino Uri Lam
SIB – Sociedade Israelita da Bahia


sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Ele voltou, tamo feliz! MC Sapinho canta o retorno de Guilad Shalit




kol hakavod, MC Sapinho! Conhecido da galera que vem passear em Israel, principalmente em Tel Aviv, conhecido por sua "Jerusalém, a melhor noite que tem".

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Que tipos de carne não podem ser cozidas com leite?
Hullin 116b - Daf Iomi do dia 20/10/2011
Rabino Adin Steinsaltz
Trad.: Uri Lam
A Torá ensina que carne e leite não podem ser cozidos juntos, baseada em três ocasiões distintas: “Não cozerás o cabrito no leite de sua mãe” (Êxodo 23:19, 34:26, Deuteronômio 14:21).
Duas opiniões na Mishná (daf 113 ou pág. 113) limita os tipos de carne que não podem ser cozidos com leite. Segundo Rabi Akiva, dada a ênfase em “uma criança”, nem aves nem animais selvagens com leite são proibidos pela Torá, somente animais domésticos estão incluídos na proibição. Rabi Yossi haGalili determina que as aves estão excluídas da proibição, uma vez que não são mamíferos e não podem ser cozidas no leite de sua mãe.
Na daf de hoje, a Guemará oferece duas possíveis diferenças entre estas opiniões.
Rabi Yossi haGalili acredita que os animais selvagens estão incluídos na proibição bíblica, enquanto Rabi Akiva acredita que eles são proibidos apenas pelos Sábios.
Rabi Akiva acredita que ambos os animais selvagens e as aves são proibidos pelos Sábios, enquanto rabi Yossi haGalili acredita que as aves podem ser cozidas com leite ─ não há proibição alguma.
Para apoiar a segunda explicação, a Guemará relata a seguinte história:
Na região de Rabi Yossi haGalili costumava-se comer carne de aves cozida no leite. Certa vez,
Levi visitou a casa de Iossef, criador de pássaros, foi-lhe servido cabeça de pavão cozida no leite, mas não disse nada a eles sobre isso. Quando ele foi até o rabino e contou o ocorrido, o rabino lhe disse: “Por que você não os coibiu?” Ele respondeu: “Porque era a região de Rabi Yehudah ben Beteira e imagino que ele deve ter ensinado a eles a visão de Rabi Yossi haGalili, que dizia: a ave está excluída, uma vez que tem não tem leite materno.”
Em sua responsa, o Rivash (Rabi Itschac ben Sheshet Perfet, 1326 -1408) escreve que podemos aprender uma importante lição dessa história. Parece que ambos, Levi e o rabino, tinham sólidas tradições que não seguem a regra de Rabi Yossi haGalili e que, portanto, aves não podem ser cozidas com leite. Além disso, como as principais figuras rabínicas daquela geração, se eles tivessem se oposto à prática, é provável que a comunidade tivesse evitado cozinhar aves com leite. No entanto, estes rabinos reconheceram que a comunidade pode ter seguido uma posição válida ─ ainda que rejeitada ─, por isso ambos se abstiveram de objeção ou repreensão. Isso vale ainda mais em nossa geração: quando há uma variedade de tradições e muitas vezes a decisão correta não é clara, devemos hesitar em reprovar outros cujas tradições não seguem a nossa.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Guilad Shalit, que bom que você voltou para casa
Oração de agradecimento pela libertação de Guilad Shalit
Retirar da prisão os prisioneiros e do cárcere os que estão nas trevas (Isaías 42:7 – da haftará desta semana, Parashat Bereshit).
Este é o dia que o Eterno fez, vamos nos alegrar e nos regozijar (Salmos 118:24).
Nosso Deus e Deus de nossos Patriarcas e Matriarcas, neste grande dia, tempo de nossa alegria, nós dirigimos nossos corações para Ti com felicidade e contentamento, mexidos e agradecidos por Tua grande bondade que Tu fizeste com Guilad ben Aviva ve-Noam Shalit e com todo o Povo de Israel, por tê-lo retornado em paz do seu cativeiro para a sua família, seu país e seu povo. Bendito sejas Tu, Eterno, nosso Deus, Rei do Universo, por libertar os cativos.
Nós estamos emocionados porque se realizaram com ele e conosco as palavras do Profeta Jeremias: “Contenha a tua voz do choro e os teus olhos das lágrimas, porque a tua obra tem seu pagamento ─ palavras do Eterno ─ e eles voltarão da terra do inimigo. E há esperança quanto ao teu futuro, diz o Eterno ─ palavras do Eterno ─ e teus filhos voltarão às suas fronteiras” (Jeremias 31:15-16). Bendito sejas Tu, Eterno, nosso Deus, Rei do Universo, por auxiliar Israel com bravura.
Seja a Tua vontade, Eterno nosso Deus e Deus de nossos Patriarcas e Matriarcas, que neste dia e em todos os dias que virão, o prisioneiro que foi redimido conheça alegria no coração, tranquilidade na alma e sucesso em todos os atos de suas mãos, juntamente com toda a sua família e com todos os seus irmãos e irmãs de Israel. Bendito sejas Tu, Eterno, nosso Deus, Rei do Universo, por conceder forças aos cansados.
Deus que escuta a oração e que presenteia com a vida, seja a Tua vontade que os sentimentos de fraternidade e de envolvimento mútuo que cobrem o Teu Povo de Israel nestes dias se mantenham entre nós nos dias que virão, e que o dito “Todo aquele que salva uma vida equivale a salvar um mundo inteiro” (San’hedrin 4,5) continue a orientar o Estado, seus dirigentes, ministros e cidadãos. Bendito sejas Tu, Eterno, nosso Deus, Rei do universo, por coroar Israel com glória.
Soberano do Universo, Deus da alegria da nossa felicidade, seja a Tua vontade que depois do resgate de Guilad Shalit não ocorra mais nenhum dano nem prejuízo aos filhos do Teu povo, nem neste ano, tampouco nos próximos anos, que venham a nós para o bem, mas sim espalhe, com a Tua ampla bondade, uma tenda de benignidade, de vida e de paz, sobre nós, sobre todo o Povo de Israel e sobre todos os habitantes do planeta. Que esta seja a Sua vontade ─ e digamos amen. Bendito sejas Tu, Eterno, nosso Deus, Rei do Universo, que nos fizeste viver, nos mantiveste e nos fizeste chegar até este momento.


Esta esta oração de agradecimento foi escrita com base nas orações de agradecimento da Assembleia Rabínica do Movimento Massorti e na oração do rabino Yehoram Mazor no sidur Haavodá Shebalêv).
Tradução do hebraico (abaixo): Uri Lam



כמה טוב שבאת הביתה
תפילת הודיה על שחרורו של גלעד שליט
לְהוֹצִיא מִמַּסְגֵּר אַסִּיר, מִבֵּית כֶּלֶא יֹשְׁבֵי חֹשֶׁךְ.
זֶה הַיּוֹם עָשָׂה יְהוָה, נָגִילָה וְנִשְׂמְחָה בוֹ.
אֱלֹהֵינוּ וֵאלֹהֵי אֲבוֹתֵינוּ וְאִמּוֹתֵינוּ, בְּיוֹם גָּדוֹל זֶה, זְמַן שִׂמְחָתֵנוּ, אָנוּ נוֹשְׂאִים לְבָבֵנוּ אֶליך בְּגִילָה וּבְשִׂמְחָה, בִּרְעָדָה וּבְהוֹדָיָה עַל חַסְדְּךָ הַגָּדוֹל שֶׁעָשִׂיתָ עִם גִּלְעָד בֶּן אֲבִיבָה וְנֹעַם וְעִם כָּל עַם יִשְֹרָאֵל, שֶׁהֲשִׁיבוֹתָ אוֹתוֹ בְשָׁלוֹם מִשִּׁבְיוֹ לְמִשְׁפַּחְתּוֹ וּלְאַרְצוֹ וּלְעַמּוֹ.  בָּרוּךְ אַתָּה ה' אֱלֹהֵינוּ מֶלֶךְ הָעוֹלָם, מַתִיר אַסוּרִים.
נִרְגַּשִים אֲנוּ כִּי הִתְקָיְמָה בּוֹ וּבַנּוּ דִבְרֵי הַנַבִיא ירמיהו:  "מִנְעִי קוֹלֵךְ מִבֶּכִי וְעֵינַיִךְ מִדִּמְעָה כִּי יֵשׁ שָׂכָר לִפְעֻלָּתֵךְ נְאֻם ה' וְשָׁבוּ מֵאֶרֶץ אוֹיֵב: וְיֵשׁ תִּקְוָה לְאַחֲרִיתֵךְ נְאֻם ה' וְשָׁבוּ בָנִים לִגְבוּלָם". בָּרוּךְ אַתָּה ה' אֱלֹהֵינוּ מֶלֶךְ הָעוֹלָם. אוֹזֶר יִשְרָאֵל בִּגְבוּרָה.
יְהִי רָצוֹן מִלְּפָנֶיךָ, יהוה אֱלֹהֵינוּ וֵאלֹהֵי אֲבוֹתֵינוּ וְאִמּוֹתֵינוּ, שֶׁבְּיוֹם זֶה וּבְכָל הַיָּמִים הַבָּאִים יֵדַע הַשָּׁבוּי שֶׁנִּפְדָה שִׂמְחָה בַּלֵּב וְשַׁלְוָה בַּנֶּפֶשׁ וְהַצְלָחָה בְּכָל מַעֲשֵׂה יָדָיו, יַחַד עִם כָּל בְּנֵי מִשְׁפַּחְתּוֹ וְעִם כָּל יִשְׂרָאֵל אֶחָיו וַאֱחיוֹתַיו. בָּרוּךְ אַתָּה ה' אֱלֹהֵינוּ מֶלֶךְ הָעוֹלָם. הַנּוֹתֵן לַיָּעֵף כֹּחַ.
אֵל שוֹמֶעֶ תְּפִילָּה וְחַפֶץ בַּחַיִּים, יְהִי רָצוֹן שֶרִגְשֵי הַאֲחַווָה וְהַעַרְבוּת הַהַדָדִית הַעֹטְפוֹת אֶת עַמְךָ יִשְרָאֵל בְּיָמִים אֶלֵּה יתקימו בַּנוּ גַּם בַּיָמִים הַבַֹאִים, וְשֶהַמַאֲמָר "כָּל הַמְקָיֶים נֶפֶש אֲחַת מַעֲלִים עַלַיו כְּאִילּוּ קִייֵם עוּלֶם מַלֵא" יָמְשִיךְ לְהַדְרִיךְ אֶת הַמְדִינָה, רֹאשֶיהַ, שַרֵיהַ וְאֱזְרַחֵיהַ. בָּרוּךְ אַתָּה ה' אֱלֹהֵינוּ מֶלֶךְ הָעוֹלָם. עוֹטֶר יִשְרָאֵל בְּתִּפְאַרָה.
רִבּוֹן הָעוֹלָמִים, אֵל שִׂמְחַת גִּילֵנוּ, יְהִי רָצוֹן מִלְּפָנֶיךָ שֶׁעֵקֶב פִּדְיוֹנוֹ של גלעד שליט לֹא יְאֻנּוּ כָּל פֶּגַע אוֹ רָעָה לִבְנֵי עַמֶּךָ לֹא בַּשָּׁנָה הַזֹּאת וְלֹא בְּכָל הַשָּׁנִים הַבָּאוֹת עָלֵינוּ לְטוֹבָה, אֶלָּא פְּרֹשׂ בְּרַחֲמֶיךָ הָרַבִּים סֻכַּת רַחֲמִים וְחַיִּים וְשָׁלוֹם, עָלֵינוּ, וְעַל כָּל יִשְרָאֵל, וְעַל כָּל יֹּשְבֵי תֶבֶל. וְכֵן יְהִי רָצוֹן וְנֹאמַר אָמֵן. בָּרוּךְ אַתָּה ה' אֱלֹהֵינוּ מֶלֶךְ הָעוֹלָם. שֶׁהֶחֱיָנוּ וְקִיְּמָנוּ וְהִגִּיעָנוּ לַזְמַן הַזֶּה.


התפילה נכתבה על בסיס תפילות ההודיה של כנסת הרבנים של התנועה המסורתית ותפילתו של הרב יהורם מזור (העבודה שבלב – המרכז להתחדשות התפילה)