Parashá da Semana: Vaishlach
Uri Lam
(para o folheto semanal Congregar, CIP, www.cip.org.br)
Pra lá deste quintal era uma noite que não tem mais fim. Pois você sumiu no mundo sem me avisar e agora eu era um louco a perguntar: o que é que a vida vai fazer de mim? (Chico Buarque)
Jacob finalmente deixa a casa de seu sogro Lavan para trás, mas ao por o pé na estrada é literalmente atingido por mensageiros de Deus. Já na estrada, agora é ele quem envia mensageiros até Esaú. Os mensageiros retornam e relatam: “Fomos até seu irmão. Ele também vem na sua direção – e vem muita gente com ele.” Ciente de que, sendo o filho caçula, trapaceou e tomou de Esaú os direitos de filho mais velho, mesmo após tantos anos sem se encontrarem, Jacob teme a vingança como certa e sente muito, muito medo. Não que Esaú tenha lhe feito algum mal ao longo destes anos. Nem os mensageiros de Jacob dão a entender, objetivamente, que o irmão vem ao seu encontro para atingi-lo, feri-lo, matá-lo. Por enquanto, Jacob só foi atingido mesmo por anjos de Deus. De que forma? Só ele e Deus sabem.
Contudo, certo de que o pior está por vir, Jacob rearranja todo o seu acampamento e o divide em dois. Ileso não escapará, isso é certeza. Tudo - assim parece acreditar - está nas mãos de Esaú, vingativo, sedento para devolver com juros pelo dano que ele Jacob, o queridinho da mamãe, o trapaceiro, lhe causou no passado.
Por que Jacob sente tanto medo? Outra forma de perguntar é: de que Jacob sente tanta culpa? Ele já havia sido atingido pelos mensageiros de Deus ao sair da casa do sogro. Teriam sido estes os mesmos mensageiros que ele próprio enviou até Esaú com mensagens de paz e amor para apaziguá-lo? E se nem anjos de Deus foram capazes de tamanha proeza? E se Esaú de verdade quiser mesmo é matá-lo e lhe arrancar a cabeça pelo pescoço com os próprios dentes?
Tenho a clara sensação de que Jacob projetava em Esaú as suas próprias culpas. Ele se sente a mais insignificante das criaturas, incapaz até mesmo, ao fazer suas preces, de dizer “Meu Deus”. Deus é o Deus de Abrahão e de Isaac, que foram dignos disso, mas não é o Deus dele, Jacob. “Eu diminuí”, diz. Ele se dá conta de que seus atos do passado não oferecem ameaça somente a si mesmo nem apenas ao seu patrimônio material, mas também à sua família, aos seus filhos, ao seu nome e ao de sua descendência no futuro. “Eu diminuí, dentre todas as bondades e dentre toda a verdade que Tu fizeste...” Jacob intui que falhou no aspecto legal, pois não fez o era justo; e no aspecto moral, ao não agir de acordo com o que se pode chamar de bondoso. Jacob, através dos próprios atos, excluiu a si mesmo de dois acampamentos: o da justiça e o da bondade. “Eu diminuí”.
Há conserto para nossas culpas? Há conserto para os erros do passado, mesmo aqueles cometidos em um passado distante? A resposta é difícil: nem sempre. Há aqueles que simplesmente deixam para lá, na esperança de que as lembranças sejam aos poucos apagadas pelo tempo. Há aqueles que, conscientes ou não, dirigem suas vidas por caminhos que, mais cedo ou mais tarde, os levarão ao encontro com pessoas a quem atingiram no passado – e tanto temem o encontro quanto o aguardam. E há aqueles que se dão conta de que há dois acampamentos nos quais o acerto de contas com o passado precisa ser travado; no mundo externo e no mundo interno - e partem para o enfrentamento.Conta-nos o Midrash: “[Jacob] os fez cruzar o rio” (Gênesis 32:24) – ele fez de si mesmo uma ponte que pegava daqui e entregava ali.” [Bereshit Raba] No caminho em direção a Esaú, Jacob fez de si mesmo uma ponte entre seu passado e seu futuro; entre o reconhecimento da culpa diante de Deus e diante de seu irmão; entre o reconhecimento e o enfrentamento da culpa; entre os tempos de irresponsabilidade e os de assumir a responsabilidade por seus atos.
“O mundo inteiro é como uma ponte estreita: o principal é não ter medo”, dizia Rebe Nachman de Breslav. Jacob tinha diante de si um rio caudaloso de muitos medos, mas fez de si mesmo uma ponte, cruzou o rio e enfrentou seus medos. Ele saiu ferido, é verdade. Mas foi assim que Jacob tornou-se Israel: aquele que enfrentou [seus medos diante de] Deus e [diante dos] outros seres humanos – e os venceu.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
terça-feira, 2 de novembro de 2010
O fim da linha para a Rabanut
Yehuda Gilad, Rabino-Chefe da Yeshivá Maalê Guilboa, rabino do Kibutz Lavi
26/10/2010 – jornal Yediot Achronot (em hebraico)
Tradução: Uri Lam, 02/11/2010
Se no nosso mundo conceitos como "Rabinato Estatal" nas considerações gerais israelenses e "sionismo religioso" em geral ainda têm algum significado, eu entendo que a decisão do Rabinato Chefe de lançar dúvidas sobre as conversões no Exército de Defesa de Israel deve ser a "gota d`água" do nosso relacionamento com o Rabinato Chefe de Israel. Como sionista religioso (dati leumi) convicto de que Israel é o início do florescer da nossa redenção, não é fácil para mim essa percepção, mas me parece que chegou a hora de dizer com honestidade, franqueza e tristeza que essa instituição tal como é hoje provavelmente chegou ao fim do seu caminho.
A decisão do Conselho do Rabinato Chefe, além de ser atingida pela proibição da Torá de constranger o guer (convertido ao judaísmo), razão suficiente para condená-la, reflete claramente a total anulação da abordagem que vê a si mesma como a responsável pelo povo de Israel em geral e pela característica judaica do Estado de Israel, em face da abordagem charedi (ultra-ortodoxa) que vê a realidade através de um ponto de vista ultra-ortodoxo.
Chegamos à situação absurda em que a grande conquista judaica - o Estado de Israel - está em perigo justamente por causa da atitude de judeus ultra-ortodoxos, e no momento com o apoio do Rabinato Chefe de Israel. Diante da terrível situação de assimilação em que se encontra o povo judeu na diáspora, o povo de Israel está perdendo milhares de judeus a cada ano. Nas últimas décadas o Estado de Israel foi o único lugar onde a assimilação quase que completamente não existiu. Casamentos entre judeus e não-judeus que vivem em Israel, árabes, drusos e assim por diante, são raros, e assim Israel era o único lugar no mundo que garantia o futuro demográfico do povo judeu.
Na última década, como se sabe, as coisas mudaram. Com a bem-vinda aliá da ex-URSS, também vieram centenas de milhares de descendentes de judeus que não são judeus de acordo com a Halachá. Essas pessoas queridas se integraram de modo impressionante na vida do Estado, na sociedade, no exército, na economia e em todo o sistema de vida de Israel. A fase que sela a integração em muitos aspectos da vida do país é o casamento com judeus israelenses, nascidos neste país.
Um desafio nacional, judaico, haláchico desta magnitude nunca ocorreu na história do nosso povo. Este é o momento de sair em uma ampla campanha nacional para incentivar a conversão de tantos e bons deste público. Este deve ser a grande hora do Rabinato Estatal, quando estas considerações a respeito do povo de Israel estão diante dos seus olhos. É preciso dizer isso claramente, as possibilidades são apenas duas: uma é o amplo esforço para a conversão acolhedora, estimulante e amigável, fundamentada nos valores facilitadores de grande parte dos legisladores ao longo das gerações que favorecem a admissão de muitos destes imigrantes para o povo de Israel. A segunda é a estrita observância das mais rígidas abordagens da halachá, segundo as quais não se deve aceitar a conversão destes imigrantes - e o significado desta opção são milhares de casamentos mistos entre judeus e não-judeus.
Uma regra conhecida e aceita no mundo da Halachá é que em horas de urgência busca se fiar inclusive em posições minoritárias na Halachá que sejam mais permissivas. No caso em questão parece não haver momento mais difícil ou de urgência do que este! Assim como não há necessidade de se fundamentar em opiniões isoladas e se poder fundamentar em posições valiosas aprendidas do mundo da legislação judaica.
Os ultra-ortodoxos que defendem a abordagem mais rígida provavelmente não estão preocupados com a tragédia da assimilação, afinal os casamentos mistos serão parte da sociedade judaica não-praticante, e talvez assim eles possam se isentar dizendo "o que temos a ver com este problema?" Mas quem teme pelo futuro de Israel como Estado Judeu não pode ficar indiferente diante da evolução da situação na frente dos nossos olhos, quando em mais alguns anos serão criados aqui dois povos. Ambos israelenses cujo idioma é o hebraico, identificados e conscientes de que são judeus, sendo que um deles não é halachicamente judeu. Com toda a importância de temas tais como Cashrut, Shabat e outros serviços religiosos, não existe atualmente em Israel nenhum interesse público que se aproxima da importância deste importante desafio, em que lidar com ele é crítico para o nosso futuro aqui como um Estado Judeu.
Devo admitir e dizer honestamente, com todo o respeito pelo atual Rabinato Chefe, sem levar em conta questões pessoais de parte dos temas por este tratados, mas o Rabinato Chefe não tem a vontade nem a capacidade de lidar com este desafio. Em vez disso, escolhe, na melhor das hipóteses, enterrar a cabeça na areia, e na pior, enfiar a cabeça entre os “grandes da Torá” haredim lituanos.
Com toda dor e dificuldade, eu peço, portanto, aos colegas rabinos e ao público sionista-religioso (dati-leumi) em geral para que diga abertamente o que muitos de nós já sentimos e silenciamos há muito tempo: o Rabinato Chefe de Israel chegou ao fim do seu caminho.
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